Sexualidade

Por que a nudez causa vergonha?

Especialista explica quais são os fatores que podem estar por trás de uma relação mais complicada com o próprio corpo

Por Jéssica Malta
Publicado em 22 de março de 2024 | 07:00
 
 
 
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“Não consigo me lembrar de um momento específico em que eu tenha me sentido confortável em tirar a roupa”, confessa a contadora Roberta*. Aos 27 anos, ela faz um retrospecto e observa que a relação com a própria imagem sempre foi complicada. “Desde nova, tenho questões com o meu corpo. Como sempre fui gordinha, ficava lutando contra a balança, e isso me deixou muito insegura”, conta. Segundo Roberta, os comentários negativos que ouvia, ainda criança, contribuíram ainda mais para que ela tivesse uma relação complicada consigo mesma. “De tanto ouvir que eu era gorda, esquisita; às vezes o bullying na escola… Tudo isso moldou um pensamento sobre mim mesma de não aceitação, de acreditar que quem eu sou não é bonito nem certo”, reflete.

Infelizmente, a contadora não está sozinha nessa história. A insatisfação com a própria imagem tem se tornado um problema cada vez mais comum. Não por acaso, os números de procedimentos estéticos têm crescido progressivamente em todo o mundo. Para ter uma ideia, dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps) e Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) apontam que somente no Brasil são feitas, anualmente, 1,5 milhão de intervenções cirúrgicas de caráter estético. Esse número coloca o país em primeiro lugar em quantidade de cirurgias plásticas no mundo. 

O valor ainda reforça o resultado de outro estudo, este desenvolvido por cientistas da Universidade Anglia Ruskin, na Inglaterra. Conforme o levantamento, os brasileiros estão entre as pessoas que menos se sentem confortáveis com o próprio corpo. No ranking feito baseado em entrevistas com mais de 56 mil pessoas em 65 países, o Brasil ocupa o décimo lugar. 

Mas quando o assunto é nudez, outros fatores também entram em jogo para torná-la um tema delicado e cercado de tabus. É isso que pontua a sexóloga e psicóloga Carolina Pinheiro. “Não existe uma explicação única para as pessoas terem vergonha de tirar a roupa, porque depende de cada um, de cada história. E, na maioria das vezes, a explicação é multifatorial. Mas a nudez também tem muito a ver com a própria história da sexualidade. Foi somente em 1960, com o descobrimento da pílula anticoncepcional, que começamos a ter mais abertura para falar sobre o sexo, então ainda existem muitos resquícios de uma cultura mais conservadora, que colocava a nudez como algo proibido, assim como o sexo pelo prazer”, observa. 

A sexóloga cita como exemplo o pensamento medieval, que considerava o corpo humano algo profano. Nesse período, durante o ato sexual, muitas mulheres se cobriam com um lençol que tinha apenas um buraco estrategicamente feito para que o homem realizasse a penetração. “Resquícios desse tipo de pensamento acabam ficando no inconsciente coletivo. Então, mesmo que não tenhamos vivido durante essa época, acabamos herdando esse tipo de coisa”, explica.

Carolina pontua ainda que a religião – principalmente as que têm uma visão mais moralista em relação ao sexo – e o próprio ambiente familiar também podem interferir na forma como as pessoas lidam com a nudez. “Se é uma família que tem uma liberdade maior com os seus corpos, que os pais não têm esse pudor, os filhos também não vão ter essa dificuldade”, explica. 
Ela observa ainda que essas dificuldades podem reverberar na qualidade do relacionamento sexual. “A pessoa vai com certa tensão, e o sexo não é um momento para estar tenso. Se você está assim, não vai conseguir relaxar e desfrutar melhor da experiência”, pontua. 

*Nome fictício

Dificuldade pode ser superada

A sexóloga ressalta, porém, que é possível mudar a percepção sobre a nudez e tornar a relação com o próprio corpo menos dolorosa ou difícil. “É um trabalho de autoconhecimento, de se conhecer e de se liberar mesmo”, explica ela, acrescentando que a terapia também é bem-vinda. Além disso, o diálogo também é um fator crucial. “É essencial conversar, mas não falamos muito sobre sexo. É uma comunicação que costuma ser bem precária nos relacionamentos. Existem casais que falam super bem sobre finanças, sobre projetos, e têm certo pudor quando vão falar sobre sexo. Mas abordar isso é necessário, porque passa por um princípio básico, que é a segurança. E é importante ter segurança para ser quem você veio para ser no mundo”, diz.

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