Cerca de uma tonelada de Tenofovir, medicamento que integra o coquetel anti-Aids fornecido pelo Ministério da Saúde aos soropositivos, foi recolhida da Fundação Ezequiel Dias (Funed) na tarde da última segunda-feira para ser incinerada.

Parte dessa carga perdeu o prazo de validade nos galpões da fundação, e parte foi descartada por ter a qualidade reprovada por análise técnica. Segundo um funcionário que presenciou o embarque e pediu anonimato, os medicamentos foram levados da Funed em caminhões da empresa de gestão de resíduos Serquip. Na Serquip, a informação é de que o material será levado para a unidade da empresa em Montes Claros, no Norte de Minas, na próxima sexta-feira, quando ocorrerá a incineração.

A destruição de remédios por parte da fundação não é uma prática nova, mas se repete com o passar dos anos e a troca dos gestores. Em dezembro de 2014, reportagem de O TEMPO mostrou que 40 toneladas de medicamentos produzidos pela Funed haviam sido incineradas após perderem a validade.

A reportagem motivou uma investigação da Promotoria de Defesa da Saúde do Ministério Público de Minas Gerais, que ainda não foi concluída. Gerou também sindicância da Controladoria Geral do Estado e investigação interna na própria Funed.

Porém, nenhuma medida foi tomada até o momento. Uma das conclusões dessa sindicância interna, publicada no dia 31 de dezembro de 2015, foi “determinar o encaminhamento das sugestões de procedimentos feitas pela comissão sindicante, visando o aperfeiçoamento dos controles e melhorias gerais na organização da Funed, à Diretoria de Planejamento, Gestão e Finanças, Diretoria Industrial e Comissão de Desfazimento de Matérias para atendimento no que couber”. A Funed fornece o Tenofovir ao Ministério da Saúde por meio de terceirização da produção para o laboratório Blanver. O modelo do contrato é a Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP), segundo o qual o ministério firma acordos com laboratórios privados para que os mesmos se comprometam a transferir, aos laboratórios públicos brasileiros, a tecnologia para a produção de determinado medicamento dentro do prazo de cinco anos.

Durante esse período, os laboratórios particulares são responsáveis pela produção do princípio ativo e transferência da tecnologia ao laboratório público. Além do Tenofovir, a Funed tem uma PDP para fornecer vacina contra meningite C, por meio do laboratório Novartis, para a Secretaria de Estado da Saúde e ao Ministério Público.

A promotora de Defesa da Saúde do Ministério Público de Minas Gerais, Josely Pontes, disse a O TEMPO que está ciente de mais esse descarte. Ela informou ter solicitado esclarecimentos à Funed com prazo de 24 horas contados a partir desta terça. “Essa é uma novela antiga na Funed. É muito grave”, afirmou a promotora.

Segundo ela, o modelo de PDP “é positivo quando as coisas são feitas de forma honesta. É um absurdo a Funed ter chegado a esse ponto”. Ela critica também o fato de a PDP ter sido firmada com a Blanver, laboratório envolvido em uma série de investigações em contratos com Funed.

A reportagem deixou vários recados na caixa postal do presidente da Funed, Renato Fraga Valentim, mas não obteve retorno aos pedidos de entrevista. O Ministério da Saúde informou que a gestão da produção de medicamentos contratados é de responsabilidade dos laboratórios conveniados.

FOTO: MCL/Divulgação
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No lixo. Fotos feitas em dezembro de 2015 nos galpões da Funed revelam toneladas de remédios que deveriam ter sido repassados às prefeituras e postos de saúde, mas perderam a validade. As imagens mostram caixas de furosemida, mebendazol, xaropes e analgésicos produzidos em gestões anteriores da fundação. 

Outro lado

Nota oficial.
 A Blanver informou, por meio de nota, que “em cinco anos de fornecimento do medicamento Tenofovir para a Funed nunca teve lotes devolvidos por conta de reprovação de qualidade”.