Vivendo sempre à margem da sociedade, travestis e transexuais não conseguem ser absorvidos pelo mercado de trabalho, o que os tornam ainda mais vulneráveis. Atualmente, segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transgêneros do Brasil (Antra), 90% das mulheres transexuais só conseguem trabalhar com a prostituição, e os homens estão sujeitos ao subemprego. Para amenizar esse quadro de falta de oportunidade no mercado de trabalho, foi lançada no início deste mês a plataforma Transerviços, que funciona como uma espécie de catálogo, onde travestis e transgêneros podem oferecer serviços autônomos em diversas áreas. A ferramenta é um desmembramento do TransEmpregos, onde as empresas anunciam vagas para transexuais.
O artista plástico e idealizador do projeto Paulo Bevilacqua, 30, conta que trata-se de uma nova opção para quem é autônomo. Co-criadora da plataforma, a analista e programadora Daniela Andrade, 36, explica que o espaço oferece duas possibilidades: a oferta de serviços dos trans e para os trans. “O mercado não quer essa população. Ele vê o trans como problema e não como solução. Aí, a pessoa começa a fazer serviços autônomos. Percebendo isso, veio a plataforma”.
Integrante da Antra, travesti e prostituta, Keila Simpson, 51, explica que essa realidade de segregação é presente em todo o país, mas ela acredita na melhora desse cenário em alguns anos. “A discriminação ainda existe. Não tem empresas brasileiras contratando. Há uma grande falha de sensibilização e aceitação no mercado de trabalho. Por isso, a importância dessas iniciativas”, aponta.
O Transerviços também funciona como uma rede de serviços seguros. “A gente precisa desses contatos. Ir ao médico, por exemplo, é uma coisa perigosa”, lamenta Bevilacqua. Segundo os criadores do mecanismo, muitos profissionais se negam a atender a população trans, ou não o fazem de uma forma respeitosa. “Somos o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. A transfobia é algo muito grande e isso reflete nessas relações”, denuncia Daniela.
Possibilidade. Designer, Paddy Ribeiro, 25, anuncia seu trabalho há algumas semanas no Transerviços. Ainda é algo muito recente, mas para ele, é uma possibilidade interessante de trabalho. Paddy atua em um coletivo de amigos, onde o respeito parece imperar. O fato de não ter tantos problemas com os clientes, para ele, está muito ligado ao apoio que recebe dos colegas. “Trabalho em um lugar maravilhoso e quando eu fiz a transição, houve muito respeito. Mas sei que é difícil para a maioria dos trans. Vão insistir em te chamar pelo nome de registro e é sempre uma apreensão que a gente sente”, conta.
Las Chicas
Restaurante contrata trans
Em Belo Horizonte, um restaurante inovou em criar não só um espaço amigável para a comunidade transexual, mas em oferecer empregos para eles. O Las Chicas Vegan funciona há seis meses no edifício Arcângelo Maletta, no centro da capital, e já teve vários transexuais em seu corpo de funcionários.
Marília Gabrielle Pereira de Andrade, 23, proprietária do estabelecimento, conta que a ideia, desde o início, foi ter um lugar em que preconceitos não seriam tolerados. A partir disso, tanto transexuais como outras minorias começaram a frequentar o espaço. A partir disso, surgiu a iniciativa de começar a contratá-los.
“Acho que para eles é muito importante. Temos uma mulher trans que sempre trabalha com a gente como freelancer. Ela é garota de programa e vejo claramente que tenta sair da rua, mas não consegue”, revela.
Por isso, Marília acredita que é importante criar oportunidades e espaços que essas pessoas possam frequentar e serem respeitadas. Ela afirma que, como se propôs a contratá-los, instalou uma placa no restaurante avisando que qualquer ofensa ou preconceito não será tolerado.
“Acho que isso ajuda muito, mas ao mesmo tempo existem algumas coisas que são um pouco frustrantes. Até hoje não consigo mandar o nome social na folha de pagamento. Até já conversei com a contabilidade e eles disseram que tentariam colocar embaixo do de registro, como uma forma de respeito”. Ela explica que apenas com o nome social, não há como comprovar a prestação do serviço.
O Las Chicas é um espaço que serve apenas comidas veganas (que não sejam de origem animal) e também faz entregas. (BF)
FOTO: Pedro Gontijo |
Criador. Paulo Bevilacqua é um dos criadores do Transerviços. Ele é um homem trans e acredita na importância de uma rede segura |
Saiba mais
Plataforma. Ela foi idealizada por Paulo Bevilacqua e Daniela Andrade, ambos transexuais, e desenvolvida pela ThoughtWorks, que é uma empresa que cria e dá consultoria sobre softwares.
Segurança. Para garantir a segurança dos usuários, o site tem a possibilidade de denunciar anúncios que não condizem com a proposta e também ferramentas para avaliar os serviços ofertados. Os criadores também orientam a todos, que em caso de agressões, que acionem legalmente as pessoas e os informem para a retirada do anúncio.
Nacional. O Transerviços recebe cadastros de profissionais de todo o país.
Endereço. O site pode ser acessado em: www.transervicos.com.br