Com mais um recorde de seca previsto para este ano, a economia de água é prioridade. A Agência Nacional de Águas (ANA) tem estudado medidas para reduzir as vazões agora e garantir o abastecimento até o fim do ano. Para ajudar nessa economia forçada, a agência pretende lançar a campanha Dia do Rio. A ideia é que toda segunda-feira, a partir de 1º de junho, qualquer captação do rio São Francisco seja suspensa.
A proposta engloba a adequação das captações às condições decorrentes da operação dos reservatórios, a adoção de medidas de restrição de usos na bacia abrangendo o rio principal e seus afluentes perenes, a fiscalização das medidas de restrição de uso pelo órgão gestor dos recursos hídricos de acordo com a dominialidade (federal ou estadual), além da ampla divulgação das medidas de restrição de uso.
O impacto de redução estimado com a adoção do Dia do Rio é de 40 m³/s de junho a novembro. Essas propostas foram apresentadas pela ANA no dia 15 de maio, mas o martelo não foi batido. O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) está preocupado com o ônus da campanha, uma vez que a fiscalização ficará a cargo dos Estados. O órgão deve reunir-se nesta semana para discutir o assunto.
O gerente de Irrigação da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Paulo Roberto Carvalho, afirma que a proposta preocupa o Jaíba, que depende do São Francisco para manter o projeto de irrigação. “Um dia sem captar água pode trazer prejuízos para a produção, mesmo que pequenos. Algumas culturas, como hortaliças e tomate, demandam muita água”, comenta.
A Cemig também tem uma proposta para garantir o abastecimento. “Chegamos a pensar em fazer alguns testes de redução da vazão de Três Marias para o Jaíba, para avaliarmos um limite de segurança. A ideia era nos anteciparmos e, caso fosse preciso, sabermos até quanto poderíamos diminuir a vazão, sem comprometer o projeto. No entanto, em vez de reduzir, resolvemos suspender um aumento da vazão programada para a semana que vem. Com essa medida, já teremos noção desse limite seguro”, afirma o gerente de Planejamento Energético da Cemig, Marcelo de Deus Melo.
Para Carvalho, os testes da Cemig não trarão ameaças à produção do Jaíba.
Melo ressalta que a situação é de fato preocupante. Atualmente, a represa de Três Marias está trabalhando com 31% do volume. Para um ano normal, com chuvas, a meta ideal é 15%. “Como neste ano teremos novo recorde negativo de chuvas, começamos com uma meta de 7%, mas a ANA já autorizou 4,5%”, explica.
Projeto Jaíba
Redenção. O projeto de irrigação garante cerca de 27 mil hectares de área plantada em região de seca. É uma potência nacional da produção de frutas, que depende do rio São Francisco.
Minientrevista
Luís Flávio Cappio, frei
Fez greve de fome contra a transposição
FOTO: Douglas Magno/10.10.2013 |
Socorro. Em 2013, Frei Cappio chegou a fazer greve de fome em protesto para salvar o São Francisco |
Em 2013, o senhor já falava que o São Francisco não suportaria a demanda da transposição. Nos últimos anos, a seca se arrastou, os reservatórios estão baixos. Como o senhor avalia agora?
A cada ano o rio se apresenta mais fraco, raso, com coroas imensas de areia em seu leito. Além disso, os peixes estão desaparecendo. Esse quadro só poderá se reverter quando um projeto sério de revitalização for levado a contento. “Anêmico não doa sangue”. Se quisermos que o rio gere vida, é preciso que ele possua vida.
A obra consumiu quase R$ 10 bilhões. Qual sua opinião sobre esses gastos?
O projeto de transposição é anticonstitucional. A Constituição de 1988 diz que “toda obra hídrica que utiliza recurso público deve priorizar a dessedentação humana e animal”. O projeto inverte as prioridades, e coloca o uso econômico da água à frente da dessedentação humana e animal.
Em março deste ano, Temer inaugurou o eixo Leste, mas já havia acontecido outra inauguração. Qual é a sua avaliação?
A transposição serviu para espetáculos circenses das duas inaugurações. Isso caracteriza a obra como eleitoreira. Falar em água no semi-árido brasileiro é voto certo nas urnas, pois todos desejam água. O presidente Temer inaugurou a obra para granjear apoio para um mandato falido. Lula inaugurou a obra para lançar sua campanha para o próximo ano. Todos querem ser “pai da criança” que já morreu no ventre materno.
Quem está sofrendo mais neste momento, com uma obra que se arrasta por uma década?
Todos sofremos com esta insensatez. Dinheiro público que poderia ser usado em obras vitais para a população, gasto no ralo da corrupção e dos interesses escusos de grandes empresas de construção. A maneira sórdida como o governo engana o povo com propagandas mentirosas, criando sonhos nunca realizáveis de possuir água com abundância. A população ribeirinha é o maior sofredora e vítima da insanidade dos governantes.