São Paulo. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de Porto Alegre, mandou incluir no cálculo da aposentadoria o trabalho na infância. A decisão levanta polêmica entre especialistas em razão do ativismo judicial e da legitimação da exploração de crianças. A medida vale para todo o país. Na prática, os desembargadores proibiram, em julgamento no dia 9 de abril, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de fixar idade mínima para contagem dos anos de serviço e contribuição. O INSS ainda pode recorrer.
A relatora do acórdão, desembargadora federal Salise Monteiro Sanchotene, afirma que regras editadas para proteger crianças “não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente trabalharam durante a infância ou a adolescência”.
Ela lembra que, apesar das normas protetivas, crianças são levadas até pelos pais a auxiliar no sustento da família nos meios rural e urbano. “Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários”, escreve Salise Sanchotene.
No Brasil, porém, o trabalho só é legalmente reconhecido após os 16 anos de idade. Na condição de aprendiz, é autorizado a partir dos 14. Pela jurisprudência, entram nos cálculos de benefícios previdenciários atividades exercidas depois dos 12 anos.
Segundo o IBGE, 1 milhão de crianças trabalhavam no país em 2017. Essa conciliação em torno da proibição do trabalho das crianças e do reconhecimento do direito previdenciário leva a críticas à decisão.
“Os pais de atores mirins terão incentivo para colocar seus filhos nessa atividade”, diz Sérgio Firpo, professor de economia do Insper. “De um lado, proíbe-se o trabalho infantil. De outro, legitima-se até atividade considerada ilegal, exploração. A decisão é, no mínimo, polêmica”, conclui.
O professor ataca também a decisão do tribunal de dar ganho de causa para o Ministério Público Federal (MPF) – a ação civil pública foi ajuizada em 2013 – sem verificar os impactos financeiros da medida sobre o INSS.
Para o professor de direito do trabalho da FGV/EAESP Jorge Boucinhas, “essa decisão tem um potencial devastador para o Judiciário. Ela joga combustível na discussão sobre o seu limite na construção de políticas públicas”, afirma. Boucinhas, contudo, diz que o julgado tem fundamentos válidos e não fere a Constituição.
Previdência ficará descoberta
Brasília. O governo federal planeja deixar descoberta uma parte dos gastos com a Previdência no Orçamento de 2019, em uma fórmula para cumprir a regra de ouro – uma determinação que proíbe tomar empréstimos para bancar despesas do dia a dia, como salários e aluguel. O objetivo dessa manobra é pressionar o próximo presidente e o novo Congresso, que serão eleitos em outubro, a aprovarem um crédito suplementar no ano que vem para pagar aposentadorias e outros benefícios da área.
Na prática, o Palácio do Planalto quer elaborar as contas de 2019 com um buraco, reconhecendo que a parcela das despesas da Previdência que superar os limites da regra de ouro precisará de dinheiro extra. Ao formular o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO, que estabelece princípios para a formatação das contas públicas), o governo já admitia a necessidade da aprovação de fundos adicionais para custear parte de suas despesas.
Agora, a equipe de Michel Temer pretende vincular essa lacuna exclusivamente aos gastos com a Previdência, por considerar que o pagamento de aposentadorias é um assunto sensível. Assim, auxiliares do presidente acreditam que será mais fácil convencer parlamentares sobre a emissão de mais crédito.
O líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR) é o responsável pelas negociações dessa fórmula com o Ministério da Fazenda. O objetivo da regra de ouro é evitar que a União se endivide para pagar gastos correntes, como salários e aposentadorias, empurrando a conta para futuros governos.
Para o ano que vem, esse descompasso é de R$ 254,3 bilhões – valor de despesas que excede o limite da regra de ouro. O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019, enviado pelo governo ao Congresso, permite que as contas do ano que vem sejam elaboradas sob essa condição.
2019
Rombo planejado. A meta de resultado primário projetada para o governo central em 2019 (dos orçamentos Fiscal e da Seguridade Social) é um déficit de R$ 139 bilhões.
Descumprimento das normas não pode prejudicar o jovem
São Paulo. De acordo com Marcus Orione Gonçalves Correia, professor de seguridade social da USP, a decisão de incluir o trabalho infantil na contagem de tempo para aposentadoria não deve ser tachada de ativismo judicial. “Não há qualquer ativismo judicial, na medida em que o Supremo sempre trabalhou com a questão a partir de princípios. Se você tem uma norma que protege o menor que só poderá começar a trabalhar a partir daquela idade, aquele que é protegido não pode ser prejudicado pelo descumprimento da norma de proteção”, diz Correia.
Para Renato Follador, consultor previdenciário, o impacto da medida nas contas da Previdência deve ser limitado. “Será um universo limitado de pessoas”, diz.