O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Al Zeben, deu uma entrevista coletiva à imprensa nesta quarta-feira (30) na Casa do Jornalista, localizada no centro de Belo Horizonte, onde agradeceu o apoio do Brasil a Palestina. Al Zeben também foi muito enfático ao defender que a comunidade internacional deve se posicionar e pressionar Israel para que pare com as ofensivas. Depois da coletiva, a reportagem de O TEMPO falou com o embaixador.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
O senhor acredita que seja possível um cessar-fogo nos próximos dias?
Em espanhol, se diz que “não há doença que dure 100 anos e nem corpo que aguente”. Esta solução tem que ser política, mas Israel está perseguindo um fim, e nós estamos perseguindo outro. O fim político de Israel é ter o Estado palestino sem palestinos e criar um Estado totalmente judaico naquele território. Por outro lado, nós temos o nosso objetivo político. Há 40 anos, tentamos criar um Estado democrático laico em todo o território onde convivem palestinos, israelenses, muçulmanos e cristãos, judeus, ateus. Isso não foi possível, então chegamos à conclusão de que temos que criar dois Estados. São 21 anos de negociações que não tiveram resultado até agora, pois nosso objetivo político é contraposto com o de Israel. Então, a solução é a comunidade internacional intervir com força para impor o que diz o direito internacional, que está bem claro desde 1947 – e diz que deve haver dois Estados para dois povos, com 56% do território para Israel e 44% para a Palestina.
E o Hamas concorda com essa solução política?
O Hamas é parte do povo palestino. O Hamas e todas as correntes que não acreditam na solução política são resultado da negativa de Israel quando estávamos começando a construir (uma paz, na tentativa feita por Yasser Arafat e Isaac Rabin, em 1993, quando assinaram um acordo). O Hamas não tinha essa força em 1993. Quando foi eleito, Yasser Arafat teve 69% dos votos palestinos. Isso significa que uma grande maioria do povo palestino estava de acordo com a paz. Do lado israelense, uma grande maioria apoia os massacres. É um fanatismo que está crescendo e a solução é sentar bases. O cidadão israelense ou palestino precisa viver em condições normais. No momento em que você não tem soluções na terra, você se refugia no céu. Começam a crescer as tendências religiosas, começam a crescer essas tendências que não acreditam (em uma solução diplomática). Se Israel começa a dar espaço e passos para a paz, o povo palestino todo está disposto a dar esses passos também.
Como a autoridade palestina se relaciona com o Hamas?
Eu não sei por que insistir tanto em Hamas e não insistir tanto na ocupação. (...) Os refugiados precisam retornar ao seu lar e os palestinos precisam recuperar sua identidade política. Quando reclamamos pela força já somos terroristas. Isto (devolver território conquistado por Israel aos palestinos) é o que deve ser feito a partir de hoje: se realmente não queremos que exista nem Hamas, nem Fatah, nem frente popular, nem Netanyahu. (...) O Hamas e todas as tendências político-militares vão crescendo à medida que Israel vai pressionando, e podemos esperar mais violência se Israel seguir com essa política. Já formamos um governo de conveniência entre o Hamas e a Autoridade Nacional Palestina, estamos tentando por todos os meios trazer o Hamas, como parte do povo palestino, para dentro da OLP, que acredita em uma solução política. Imediatamente depois, o governo de Israel inventa – aproveita que três cidadãos desaparecem – e lança esta ofensiva contra todo o povo palestino, contra a unidade nacional palestina e, fundamentalmente, contra o povo indefeso que está em Gaza. Todos somos a favor da paz, mas Israel tem que dar o primeiro passo, porque foi Israel quem desterrou os palestinos, é Israel que se nega a aceitar o Estado palestino.
O senhor acredita que enquanto Netanyahu estiver lá, será difícil esse entendimento?
Nós escolhemos nosso governo e nosso mandatário, e eles escolhem quem eles quiserem. Mas ficou claro que este governo encabeçado por Netanyahu não acredita em uma solução pacífica e está atrapalhando. (...) Nosso povo quer unidade nacional, estamos nos organizando para escolher nossos governantes. Nós não admitimos viver como escravos e achamos que nenhum de vocês pode nos pedir isso.
O que foi feito após a tentativa de unificação do governo?
Estávamos praticamente avançando para a reunificação entre Gaza e a Cisjordânia, o governo já estava trabalhando para iniciar o processo de reconstrução de Gaza. Isso não agradou a Israel, que não quer ver o povo palestino unificado - é mais conveniente dividir o povo palestino. Mas nós persistimos que nossa unidade nacional palestina é algo muito sagrado e vamos continuar trabalhando para que o povo palestino seja um povo unido para poder estabelecer nosso estado e recuperar nossa independência. Israel queria dificultar a unidade do povo palestino, mas o governo está formado, está trabalhando e vai continuar trabalhando.
O que está servindo de entrave para o cessar-fogo?
Conforme Israel, os mísseis do Hamas. Conforme a comunidade internacional é o uso excessivo de força de Israel. De um lado e de outro, tem que parar o lançamento de foguetes e mísseis mas, em primeiro lugar, tem que acabar esse genocídio contra o povo palestino e voltar imediatamente a cumprir as reivindicações do povo palestino - que é o fim da ocupação militar israelense ao território palestino, a negociação dos presos, abertura das fronteiras e abandonar a via militar para resolver esse conflito e voltar à mesa de negociações. Para o cessar-fogo, alguém terá que ceder primeiro, ou os dois ao mesmo tempo.
Essa negociação já se arrasta por mais de 20 anos. O senhor acredita que a ONU possa impor uma negociação definitiva e rapidamente?
As coisas têm que ser resolvidas de acordo com o direito internacional. Senão, vamos voltar à Idade Média, quando os cristãos diziam que esta era a terra santa para elas, ou os muçulmanos que diziam que era santuário para eles, ou os judeus, que diziam que era a terra prometida. A solução não é divina, não é religiosa. Tem que ser pelo direito internacional, e tem que ser pelas Nações Unidas.
O que o senhor está achando do posicionamento brasileiro e o que espera daqui para a frente?
Agradecemos ao Brasil em todos os níveis. A posição do Brasil está de acordo com o direito internacional, é uma posição soberana, que expressa uma sensibilidade humana e política refinada de observar e proteger o direito internacional. Se um palestino levanta as mãos e levanta armas, é um terrorista e sai todo um coro internacional para dizer que é uma guerra entre duas partes. Não é uma guerra, é um genocídio. Este que levanta sua mão protestando é um defensor da liberdade. Não são bandidos, não são bandoleiros, são defensores da liberdade, do direito palestino. Uma correlação tem que mudar, de uma maneira ou de outra. A comunidade internacional tem que seguir o exemplo do Brasil, Equador, Venezuela, Bolívia, Chile, Peru, El Salvador. Tem que fazer algo para dizer a Israel que isto não pode continuar. No momento que o mundo, em sua totalidade, levanta a voz e falamos a Israel “chega”, começamos a colocá-los no caminho correto para resolver este problema.Eu espero que esta pressão internacional continue crescendo ao máximo possível para pôr fim a este conflito.
Há algum plano de remoção temporária dos civis para campos de refugiados, na tentativa de poupar vidas de civis na Faixa de Gaza?
Em primeiro lugar, há que haver um cessar-fogo. Esse é o primeiro passo. Depois, permitir-nos enterrar nossos mortos e sarar nossos feridos para poder começar a reconstrução da Faixa de Gaza. Remover palestinos para fora da Faixa de Gaza é uma história que acabou. Não vamos fazer isso, porque isso já aconteceu. Em 1948, quando Israel começa a implementar esses massacres, 88% da população palestina saiu da Palestina. Em 1967, só saíram 11%. Posteriormente, zero porcento. Acreditamos que se alguém sai, vai continuar sendo refugiado em outro lugar. Os que saíram, foram para a Jordânia, depois para Iraque, depois para a Síria e, de lá, uns chegaram ao Brasil. Cinco vezes refugiados. Não vamos sair de nosso território. O trabalho imediato é interromper o fogo, voltar à mesa de negociação e recomeçar a reconstrução da Palestina.