Roberto Livianu
promotor de Justiça, doutor em direito pela USP e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção
Em entrevista a O TEMPO, Roberto Livianu defende a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) no caso envolvendo Aécio Neves (PSDB), lança a hipótese de uma intervenção em caso de descumprimento e ataca a classe política. Leia os principais trechos abaixo.
Sobre a decisão do STF em aplicar medidas cautelares ao senador Aécio Neves, o senhor acha inconstitucional como alega o Senado? O que me parece é que essas pessoas, com esses posicionamentos, parecem não se conformar com a nova ordem que se estabeleceu no país. As leis não mudaram. É que, na verdade, temos uma nova situação em que a impunidade não é mais a regra absoluta. Não existe nenhuma espécie de ilegalidade na Suprema Corte do país determinar uma medida cautelar que afasta um senador. Isso é absolutamente regular, possível e nós temos absoluta naturalidade em dizer que funcionários de escalões A, B, C e D são afastados. Promotores são afastados, juízes são afastados, por que senadores não podem ser afastados? Será que eles têm sangue de alguma cor diferente, se consideram intocáveis? Senadores são seres humanos sujeitos à lei, iguais todas e quaisquer pessoas detentoras de poder. Eles não estão acima da lei.
Se mesmo o STF não consegue, como então punir um senador da República? O Supremo tem a função de guardião da cidadania e tem a função de fazer valer a ordem jurídica dentro do devido processo legal. Observados os requisitos exigidos para isso, houve uma deliberação pelo STF, por uma de suas turmas, e por 3 votos a 2, houve uma decisão por força da qual um senador da República, e pouco importa se é A, B, C ou D, pouco importa o partido político, foi afastado do exercício das suas funções. Essa decisão do STF tem que ser obedecida. A nível estadual ou municipal, quando a decisão não é obedecida, podemos ter uma hipótese constitucional de intervenção. A Constituição prevê no artigo 36, II esta possibilidade, mas não existe expressa previsão em relação a descumprimentos a nível federal, até porque STF e Senado representam os Poderes Judiciário e Legislativo.
Quem pode determinar essa intervenção? A nível federal, quem determina intervenção é o Presidente e a nível estadual, o Governador. Nós temos alguns ministros falando na imprensa sobre casos que eles vão julgar, sobre mérito. Aliás, um dos dois ministros que foi vencido neste caso (Marco Aurélio Mello), foi na imprensa estimular o Senado a decidir contra a decisão do próprio Supremo. Essa hipótese pode, eventualmente, caracterizar uma hipótese que pode ensejar um impeachment, porque significa o desrespeito ao princípio da colegialidade da decisão e um desrespeito a uma decisão do próprio Supremo. A decisão foi juridicamente colocada, ela deve ser respeitada sob pena de crime de desobediência. A ministra Cármen Lúcia, se necessário, pode usar de força policial para fazer valer uma decisão do Supremo Tribunal Federal.
Acha que o Senado pode recuar e suspender a sessão de amanhã? Eu não sei o que vai acontecer na sessão de terça-feira (amanhã), mas eu tenho intuição que, talvez, o Senado recue. Talvez o bom-senso de restabeleça e essa situação se recoloque no devido lugar, porque esse posicionamento afrontoso à Constituição não é razoável, não é cabível. O presidente do Senado, Eunício Oliveira, se entender que a decisão, de alguma maneira, desrespeita a Constituição, que tome as medidas jurídicas cabíveis, mas ele não pode, simplesmente, descumprir uma determinação. A solução deve ser encontrada dentro na Constituição Federal. O tempo dos coronéis é um tempo do passado e essas pessoas que estão exercendo seus mandatos temporários nos postos do Congresso precisam ter clareza sobre isso.
Como avalia as críticas da classe política contra juízes e promotores que diz estar havendo uma ditadura do Judiciário? Há excessos mesmo, mas excesso de trabalho. Juízes e promotores, na grande maioria, são pessoas que trabalham por vocação, por idealismo. Nós não temos problema em trabalhar em excesso. A força-tarefa de Curitiba acaba de voltar do Canadá onde recebeu uma homenagem por excelência do trabalho. A Transparência Internacional coloca este trabalho como destaque internacional de combate à corrupção. Agora, é natural que os atingidos por esse trabalho esperneiem. As velhas raposas não se conformam com a mudança das regras do jogo, não se conformam com esse novo estado de coisas, porque, antigamente, com um habeas corpus, em 48 horas o indivíduo que descumprisse a lei estava na rua. Agora não é mais assim. Então, é óbvio que não estão se conformando e é fácil dizer que o Ministério Público está exagerando, mas temos de separar o joio do trigo. Quem está dizendo que há excesso? Os advogados estão defendendo seus clientes. Se eles não disserem isso, os clientes estarão indefesos. Agora, quem estuda cientificamente o controle da corrupção, cito como exemplo a Transparência Internacional, sabe que o caminho que o Brasil está trilhando é o caminho correto.
Como então impor os limites aos Poderes? Eu acho que devemos fazer uma reforma política verdadeira e revisar algumas regras do jogo em relação a uma série de coisas. Acho que temos de rever a forma como são selecionados os ministros do STF. Há países evoluídos, como a Alemanha, em que um ministro do Supremo tem mandato de dez anos. Há dois problemas na escolha do ministro do STF: eles não podem se eternizar no poder e a forma de escolha. A mesma coisa vale para o Senado, para a Câmara. Eles não estão acima do bem e do mal, mas os partidos se consideram acima da lei. O Senado se considera acima da lei e a Câmara se considera acima da lei. Por isso, o voto é a maior arma.
O Congresso reprovou as dez medidas contra a corrupção por considerá-las abuso de autoridade. Quem controla o abuso de autoridade dos parlamentares? O senador Renan Calheiros apresentou um projeto para rever a lei de abuso de autoridade. Essa lei está em vigor no Brasil há 52 anos. Uma lei que foi aprovada durante a ditadura, é razoável querer que ela seja aperfeiçoada. Não há problema também em querer limitar o poder de juízes e promotores, que detêm poder e precisam ser controlados. No entanto, quem analisar esse projeto, com a mínima isenção, vai ver que ele tem endereço certo. É um projeto para quebrar juízes e promotores, principalmente os que atuam na Lava Jato. Se olhar o projeto como um todo, não se encontra um só tipo penal definindo situações de abuso de poder por parte de senadores ou de deputados.
A posse da nova procuradora geral, Raquel Dodge, foi comemorada por Michel Temer e Gilmar Mendes, nomes que querem frear a Lava Jato. Por que? Dentre os candidatos que concorreram à vaga deixada por Rodrigo Janot, o quadro que se desenhou é que Raquel Dodge era a anti-Janot. Ela foi vista como aquela que era a candidata de oposição. A meu ver, essa condição agradou a esses que Rodrigo Janot processou. Só que eu alerto a eles: vão cair do cavalo. Se eles esperam que Raquel Dodge prevaricará, eles vão cair do cavalo. Ela pode ter uma atitude diferente de Janot, mas ela cumprirá seu papel de maneira firme, combativa e tenho certeza disso.