Dois meses depois de prometer que liberaria seu parecer sobre o financiamento público de campanhas em junho, o ministro Gilmar Mendes voltou atrás e afirmou nesta terça-feira (30) em BH que não tem prazo para emitir seu veredito sobre o assunto.
Em 2013 a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou no Supremo tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4560) pedindo o fim do financiamento privado de campanha no Brasil.
Entre os argumentos apresentados pela Ordem, o principal é que a doação de empresas para candidatos distorce a democracia, pois acaba com a igualdade de concorrência entre os candidatos.
O julgamento foi feito por uma câmara de sete ministros, e já recebeu seis votos favoráveis. O sétimo voto, no entanto, é do ministro Gilmar Mendes, que pediu vistas do processo para fundamentar melhor sua decisão. Geralmente, os pedidos de vista levam de 30 a 45 dias.
Neste caso específico, o pedido de vista foi feito em 2 de abril de 2014. Após manifestações da OAB e de movimentos populares, o ministro garantiu que daria seu voto até junho. O que não ocorreu. No último dia 27, o presidente da OAB, Marcus Vinícius Coelho, enacaminhou ofício ao STF pedido que a ADI seja julgada em agosto, mas não obteve retorno.
FINANCIAMENTO DE CAMPANHA
Questionado sobre o financiamento de campanha e sobre seu parecer em visita a BH, o ministro preferiu sair pela tangente.
Segundo ele, quem reclama do pedido de vistas "não é a OAB e sim o PT". Isso porque, segundo ele, a aprovação serviria como um álibi para os maus feitos do partido.
Ainda segundo Gilmar Mendes, a demora seria “normal". "Alguns ministros pediram vistas porque me parecia que havia uma certa precipitação e as consequências seriam graves para o sistema".
Ele destacou o caso do assassinato do Celso Daniel, que ficou parada no Supremo três anos num pedido de vistas. "Se já tivéssemos decidido sobre a ADI da OAB, e o Congresso mudasse os parâmetros de controle, teríamos reflexos na decisão. Isso já aconteceu antes no caso da Verticalização. Depois o Congresso aprovou a desverticalização. Isso acontece. É um diálogo institucional”, defendeu.
Para ele, a sensação é que o PT queria ver logo o fim do financiamento aprovado para apresentar como um álibi para seus erros.
“Me parece que esse argumento da OAB, não era da OAB, mas do PT. É um argumento álibi. Olha, nós fizemos tantas trapalhadas que agora vamos defender o financiamento público, ou o financiamento apenas de pessoas. É como se estivéssemos votando uma anistia. Fizemos muitas coisas erradas, mas agora o STF veio e reconheceu que é inconstitucional e todos nós estamos absolvidos. Não há absolvição para ninguém. Quem fez coisa errado tem que pagar”, apontou.
MAIORIDADE PENAL
O Ministro comentou sobre a redução da maioridade penal, que está sendo votada nesta terça na Câmara. Para ele, a questão é um tema difícil. Lembrou que defendeu, quando presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ampliação do prazo de internação de três para oito ou dez anos, de acordo com o tipo penal envolvido e de acordo com a dosimetria adequada.
Mendes salientou, no entanto, que independente da mudança que venha a ocorrer, ela deveria vir acompanhada de medidas ligadas a reeducação e ressocialização.”É importante que os jovens tenham oportunidade de começar de novo, embora entenda que seja difícil para a sociedade conviver com a violência".
Outro ponto a ser destacado são os custos do sistema. "O menor encarcerado custa R$ 7 mil por mês. Precisávamos fazer algo para integrar sistemas, promover aprendizado e ter melhores resultados com essa verba. E há de se pensar que no sistema carcerário temos 370 mil vagas que já estão ocupadas por 600 mil presos”, acrescentou. O Ministro disse ainda que, se e quando a matéria chegar ao Supremo, será analisada. Mas adiantou que não lhe parece ser uma cláusula pétrea (e portanto proibida de sofrer alterações) da Constituição.
DELAÇÕES PREMIADAS
Gilmar Mendes não se furtou de comentar sobre as delações premiadas. Algumas autoridades e até entidades estão questionando o instrumento. O argumento é de que estariam sendo feitas prisões preventivas de forma precipitada para forçar um acordo de delação premiada, o que leva o delator a também produzir provas contra si mesmo. Ele defendeu que as delações são provas iniciais, que depois devem ser contrastadas com outras provas dos autos.
Ainda de acordo com Mendes, a delação premiada foi aprimorada recentemente, sendo sancionada pela presidente Dilma. Se ela tivesse dúvida sobre a constitucionalidade da delação, sua assessoria teria recomendado o veto do dispositivo. Agora, pode ocorrer de fato, erros, equívocos na delação. Mas ela é um elemento inicial. Uma prova que terá que ser cotejada com outras provas. Vemos que inclusive tem contradições entre os delatores”, salientou.
Por fim, lembrou que é um instrumento usado em todo o mundo. Temos que avaliar é como está sendo feita. Não se pode usar prisão preventiva como instrumento de coerção para a delação premiada. Existem alternativas como as tornozeleiras eletrônicas, suspensão de atividades ou afastamento de um determinado local”, frisou.
VAZAMENTOS SELETIVOS
Como muitos dos argumentos ditos durante a delação têm chegado a alguns veículos de comunicação, Mendes demonstrou preocupação com o que classificou de “costume incostitucional”. “Temos tido vazamentos sistemáticos. Por isso tenho clamado por nova lei de abuso de poder, com especial tratamento aos vazamentos. São uma irregularidade histórica. E precisa ser combatida. No Brasil se comete abuso de autoridade de A a Z. Já passa da hora de aprovarmos uma lei de abuso de autoridade contra vazamentos relacionados com interceptação telefônica, de sigilo bancário, sigilo fiscal, documentos secretos e reservados da justiça, que são passados para a imprensa de maneira indevida, gerando muitas deturpações”, garantiu.
REFORMA POLÍTICA
Em sua último comentário, Mendes falou sobre a reforma política, que acredita ter sido frustrante para as pessoas. Algumas coisas serviram de alento, como a aprovação do fim da reeleição. Na Justiça eleitoral há até um consenso de que a reeleição estimula abusos”, avaliou.
Ele avaliou que pode-se fazer muito no plano infra-constitucional, da legislação. Por exemplo o controle de despesas, o modo de fazer propaganda eleitoral. Estamos discutindo o financiamento, mas não como se fazem os gastos. A campanha da Dilma gastou R$ 380 milhões na campanha presidencial. Outros tantos por Aécio. A campanha da presidente Dilma gastou R$ 25 milhões com uma empresa chamada Focal para montar palanques durante a campanha. O que está sob suspeita de ser uma forma de superfaturar os pagamentos para retirar dinheiro da campanha e destinar para outras finalidades”, revelou. Para encerrar, afirmou não acreditar que pontos aprovados na reforma política sejam aproveitados em 2016.
Gilmar Mendes esteve em BH para se encontrar com o novo presidente do TRE-MG, desembargador Paulo Cézar Dias. À noite concedeu a palestra sobre “Reforma Política e os Desafios à Democracia Brasileira”, na Associação do Comércio de Minas Gerais (ACMinas).