Há 30 anos o Congresso Nacional foi fechado. Ou, como definiu o principal signatário da lei complementar nº 102, o então presidente Ernesto Geisel, "entrou em recesso". Durante os 14 dias em que Senado e Câmara paralisaram seus trabalhos, o governo elaborou uma série de medidas para garantir maioria no Poder Legislativo, em especial no Senado.
Nas eleições de 1974, o MDB (embrião do atual PMDB), elegeu 16 das 22 vagas disputadas. Este conjunto de medidas entrou para a história como o Pacote de Abril de 1977. Exatamente 13 anos após o golpe militar de 1964.
Cansado de abstenções e votos nulos nos anos anteriores, foi o próprio governo que encabeçou uma campanha exaltando as virtudes do voto livre e da democracia. Mas o tiro saiu pela culatra.
Cansado de manobras e casuísmos, o eleitor votou maciçamente no único partido de oposição: o Movimento Democrático Brasileiro " espécie de guardachuva que abrigava quem fazia oposição ao governo militar. No Senado, o MDB só não virou maioria porque apenas um terço estava sendo renovado.
Na Câmara dos Deputados, o MDB conquistou 160 cadeiras, aproximando- se da Arena, que ficou com 204 vagas. Nas assembléias legislativas, fez um total de 330 cadeiras, contra 457 da Aliança Renovadora Nacional (Arena), base de sustentação do governo militar.
O discurso oficial era outro, já que a Arena conseguiu vencer na maioria dos municípios brasileiros. Na somatória dos votos abrangendo o país inteiro, a Arena ficou com 12 milhões e o MDB com 10 milhões.
Mas foi justamente nos grandes centros e nos municípios mais politizados que o partido da oposição conseguiu as vitórias mais consistentes, passando a controlar grandes prefeituras e importantes legislativos. Na capital paulista, por exemplo, o MDB fez 13 vereadores, contra apenas 8 da Arena.
Alarme
O alarme foi acionado no Palácio do Planalto. Pelo andar da carruagem, nas eleições seguintes a oposição poderia superar a Arena. Entre as medidas do Pacote de Abril, estava a eleição indireta para um terço dos senadores, que seriam indicados pelas respectivas assembléias estaduais.
Mesmo sob censura, a imprensa e a população apelidaram os novos parlamentares de "senadores biônicos". Assim, no ano seguinte, 23 "senadores biônicos" foram empossados. A Arena conquistara 15 cadeiras e o MDB 8. Com os "biônicos", o resultado final passou para 38 a 8, uma vitória esmagadora.
Outra determinação mudava o quórum para que fossem feitas emendas constitucionais, dos dois terços para maioria simples.
Além disso, o pacote estendeu as restrições da Lei Falcão às eleições para os legislativos federal e municipal. A lei foi batizada com o nome de seu autor, o então ministro da Justiça, Armando Falcão, e proibia o debate na TV e no rádio.
Eram apenas exibidos os "santinhos" com o respectivo nome e número. O mandato do presidente da República passou de cinco para seis anos. Mesmo interpretado como um "grave retrocesso", já que o próprio presidente Ernesto Geisel acenara com uma "abertura lenta, gradual e segura", Geisel manteve o processo nas mãos.
Em outubro de 1977, ele afastou as pretensões sucessórias de seu ministro do Exército, o general Sylvio Frota, demitindo-o sumariamente e abrindo o caminho para a volta da normalidade democrática no país.
Em Minas, MDB era minoria na Assembléia
A Assembléia Legislativa de Minas Gerais tinha a maioria arenista em 1977. De um total de 61 deputados eleitos em 1974, 37 fechavam com o governo militar, restando 24 ao MDB.
Portanto, não conseguiram oferecer resistência e a Arena aquiesceu à indicação do então deputado federal Murilo Badaró ao Senado, escolhido pelo Palácio do Planalto e nomeado para um mandato de oito anos.
Deputada na ocasião, a ex-senadora e ex-vice- governadora de Minas Gerais Júnia Marise sustenta que, mesmo assim, a oposição teve uma posição muito clara e manifestou-se contra "todos os atos".
Mas somente restava a tribuna da Assembléia numa época de poucas manifestações populares e sem o aparato tecnológico de hoje.
Novos ares
Depois dos protestos a respeito das mudanças das regras em pleno jogo, o governo iniciou o ano seguinte disposto a conversar e buscar a restauração de algumas liberdades públicas.
Em 1978, foi aprovada, já pelo novo Congresso de maioria governista, uma emenda constitucional cujo objetivo principal era revogar o famigerado Ato Institucional nº 5 - o AI-5. Assim, a partir do dia 1º de janeiro de 1979, o Executivo não podia mais fechar o Congresso " ou declarar seu recesso.
Também terminava a era da cassação de mandatos, e o cidadão voltou a ter direito de requerer habeas corpus, já que este direito, básico e universal, fora simplesmente suprimido com a assinatura do AI-5.
Como nem tudo são flores, a mesma emenda criou ao lado da figura já existente do estado de sítio as chamadas "salvaguardas", que davam poder ao Executivo em decretar o estado de emergência, "a fim de restabelecer a ordem pública e a paz social em lugares determinados, atingidos por calamidades ou graves perturbações."
Foram essas restrições que levaram o MDB a abster-se na votação da emenda. Nos anos seguintes, houve a anistia aos exilados, a volta das eleições diretas para governador, até que o último presidente general, João Batista Figueiredo encerrou um ciclo de 21 anos de militares se revezando no poder.
Planalto controlava abertura, diz professor
Um dos maiores especialistas sobre as Forças Armadas e sua influência na vida política do país, o professor Jorge Zaverucha não tem dúvidas de que a despeito do discurso do presidente Ernesto Geisel, a abertura era "controlada".
Segundo ele, atualmente lecionando na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), "só avançava se o eleitorado produzisse os resultados que o Planalto almejava. Em caso contrário, a interpretação era que o povo não estava maduro, e fechava-se o sistema político".
No entanto, analisa Zaverucha, "este jogo de abre e fecha, tem um custo político. Na medida em que o custo do fechamento foi se tornando maior, ficou mais difícil para a ditadura controlar o modo e o timing do jogo".
Ou seja, apesar de tentar manter o controle da situação, o retorno dos civis ao poder era cada vez mais exigido por parte da população, ainda que debaixo de censura aos meios de comunicação e intimidação aos oposicionistas mais abusados. Um desses oposicionistas foi o ex-deputado federal Marcos Tito.
Ele e o colega Alencar Furtado foram os últimos a serem cassados, em 1977. Tito lembra que um oficial do Exército levou o comunicado do "recesso" ao então presidente da Câmara, Marco Maciel (vice- presidente da República nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso).
"Foi lá uma espécie de bedel e entregou um papel ao Maciel que era da Arena e não ofereceu resistência. Foram duas semanas de muita agonia", recorda.
Para o ex-deputado, hoje presidente da Junta Comercial de Minas Gerais, os militares faziam crer que "a abertura era um ato de bondade, quando na verdade havia muita pressão da população". Ainda segundo Tito, "os militares fizeram de tudo para alterar o resultados das eleições de 1978, mas não obtiveram muito sucesso".