SOB MEDO

'Bebê Rena' da vida real: Minas registrou 14 casos de stalking por dia em 2023

Em janeiro e fevereiro deste ano, houve 848 registros, contra 754 no mesmo período do ano passado; crime, em evidência com série da Netflix, pode causar estresse pós-traumático

Por José Vitor Camilo, Juliana Siqueira e Rayllan Oliveira
Publicado em 06 de maio de 2024 | 07:17
 
 
 
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Atual sucesso da Netflix, a série “Bebê Rena” conta a história de um comediante escocês que viveu um “relacionamento” conturbado com uma mulher – e que evoluiu para perseguição. Conhecida como “stalking”, a prática foi reconhecida como crime no Brasil em 2021. Casos como o retratado no streaming estão cada vez mais comuns.

Em Minas, 14 pessoas foram alvo de perseguição por dia em 2023. Conforme dados do Observatório de Segurança Pública, da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública 
(Sejusp), no ano passado foram registrados 5.195 casos de “perseguição consumada” – um aumento de 39,4% em relação a 2022 (3.725). 

O número poderá sofrer nova alta em 2024. De janeiro a fevereiro, foram 848 casos – 12,4% a mais do que no mesmo período do ano passado (754). Como nem sempre as pessoas se identificam como vítimas, o especialista em segurança pública Arnaldo Conde ressalta que o surgimento de séries e filmes sobre o tema pode contribuir para o combate aos criminosos.

O crime consiste em “perseguir alguém reiteradamente, ou por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”. A delegada Karine Tassara, titular da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher em BH, explica que a lei prevê pena de seis meses a dois anos de prisão. Ela diz que tanto vítima quanto perseguidor podem ser qualquer um, independentemente de idade, sexo e classe social. 

“Porém, observamos que esse crime assume relevância especial quanto à segurança da mulher, pois anda junto com o feminicídio. Se um ex está te perseguindo, faça uma denúncia. É importante ter uma medida protetiva, pois você pode estar em situação de risco”, alerta. É o caso da modelo Natália*, 22, vítima de perseguição de um ex-namorado na região metropolitana de BH.

“Coloquei um fim no relacionamento em janeiro. Depois, carros diferentes ficavam na porta de casa, vigiando. Ele sempre falava que eram policiais, para nos amedrontar”. A moça procurou um advogado para denunciar o rapaz e o caso é investigado.

“Essa situação de perigo implícito e explícito vai provocando vários sentimentos na vítima. Em alguns casos, ela já não consegue sair na rua. Além disso, constranger a pessoa em público e invadir a casa dela, por exemplo, pode resultar em um quadro de estresse pós-traumático”, adverte o psicólogo Thales Coutinho.

Perseguição extrapola questão de gênero

As mulheres são as principais vítimas de stalking. O crime, no entanto, não se restringe aos relacionamentos heteronormativos. A publicitária Fernanda*, 31, por exemplo, foi vítima de perseguição por uma mulher há oito anos. Depois de conhecer a jovem, irmã de um amigo em comum, Fernanda passou a conversar com ela nas redes sociais, sempre deixando claro que buscava amizade. Mas, quando ia a festas, passou a receber mensagens de números desconhecidos dizendo que ela estava bonita. Era a jovem. 

“Fiquei assustada, mas não pensei que fosse algo para me preocupar. Mas ela começou a me procurar mais e mais, mandava poemas. Até que um dia fui apresentar minha namorada para meus amigos e ela apareceu do nada, ficava entrando nas conversas”, lembra. “Eu me sentia impotente”, conta ela.

O atendente João*, 25, também foi vítima de perseguição por uma pessoa do mesmo sexo. Ele conta que conheceu o perseguidor no trabalho e, a pedido do colega, deixou que ele vivesse em sua casa por um período.

“Era comum encontrá-lo escondido atrás de um poste, de uma árvore, quando eu deixava um lugar”, lembra. Ele acabou expulsando o colega de casa. 

A delegada Karine Tassara recomenda denunciar o crime. “A apuração depende de representação da vítima na delegacia”, explica.

Vítima pode ser ‘afeto’ ou desafeto

Definir o que move o perseguidor nem sempre é tarefa fácil. Segundo o psicólogo Thales Coutinho, o stalker pode ter diferentes perfis, inclusive patológicos. Cada um pode ter um “motivo”, sendo possível, em alguns casos, perceber traços de sadismo e de delírio. As vítimas podem ser “afetos” ou desafetos.

Conforme o psicólogo, há alguns traços sombrios na personalidade humana que podem ser mais exacerbados em uma pessoa do que em outras. Alguém com traços de sadismo, por exemplo, pode querer seguir o outro pelo simples prazer de vê-lo sofrer.

“Saber que a perseguição está causando uma desordem psicológica no outro pode dar alegria a essa pessoa”, diz. Já outros, mais maquiavélicos, podem estar utilizando as vítimas como “ponte” para alcançar seus objetivos, vendo-as como uma espécie de peça em um jogo de xadrez. 

Psicopatas, com sua frieza emocional, podem agir de maneira impulsiva, tornando-se perseguidores. E todos esses casos podem ou não terminar em uma violência ainda maior.

Além disso, há também a perseguição voltada para os “afetos”. Em geral, nessa situação, ocorre um quadro de delírio, explica Coutinho.

“A pessoa começa a perseguir para ter um relacionamento de intimidade com o outro. Manda flor, carta, mensagem nas redes sociais, é algo intrusivo. Na cabeça da pessoa, o alvo da perseguição quer muito estar com ela. Muitas vezes, é daí 
que alguns crimes acontecem”, diz

Como identificar uma perseguição e agir

  • Se perceber que teve a liberdade coagida ou foi constrangido de alguma forma, ainda que psicologicamente, “ligue o alerta” e entenda que aquela conduta está errada;
  • A pessoa que comete a agressão pode mandar flores ou presentes, o que soa como delicadeza, mas, na verdade, é ameaça e invasão de intimidade;
  • Fique atento ao que acontece ao seu redor e avise aos amigos e parentes se alguma situação anormal acontecer;
  • Desconfie de qualquer situação que não seja agradável, física ou psicologicamente. Reporte o fato a alguém superior do trabalho, ao porteiro do prédio ou outro responsável pelo local onde você estiver;
  • Evite andar sozinha(o) se estiver em situação de medo;
  • Denuncie às autoridades competentes.

Como denunciar

  • Para a Polícia Militar: registrar boletim de ocorrência e, dependendo da situação, ligar para o 190 e acionar a viatura, em caso de risco imediato.
  • Nas delegacias de Polícia Civil de Minas Gerais
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