CRIMINALIDADE

Novo Cangaço: Minas Gerais volta a registrar invasão de cidades após seis meses de 'paz'

Último registro desse tipo tinha ocorrido em outubro de 2023; na madrugada desta segunda (6) moradores de Camanducaia foram surpreendidos por disparos e uma forte explosão

Por José Vítor Camilo
Publicado em 06 de maio de 2024 | 17:38
 
 
 
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Após seis meses consecutivos sem registrar sequer um único caso de cidades invadidas para a explosão de caixas eletrônicos, Minas Gerais voltou a ser alvo do chamado "Novo Cangaço" na madrugada desta segunda-feira (6 de maio), quando duas agências foram destruídas por um grupo fortemente armado que tomou conta da cidade de Camanducaia, no Sul do Estado. 

De acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG), em 2023 foram registrados apenas dois casos deste crime, sendo o último deles em outubro. "Em 2024, a ocorrência de Camanducaia é a primeira do ano", completou, por nota, o órgão. 

Até esta segunda, o último registro tinha acontecido no dia 20 de outubro do ano passado, quando cerca de dez homens tomaram conta da pequena Itinga, cidade de 13 mil habitantes localizada no Jequitinhonha

No primeiro registro de 2024, segundo a Polícia Militar (PM) de Camanducaia, o grupo armado contava com cerca de oito suspeitos. Eles atiraram contra a agência do Santander e, em seguida, explodiram a agência da Caixa. Vídeos publicados nas redes sociais mostram o barulho dos disparos durante o crime.

Veja o vídeo:

Segundo a polícia, ainda não há informações se eles conseguiram alguma quantia em dinheiro. Apesar das buscas na região, até o momento nenhum suspeito do ataque foi preso. 

"Novo Cangaço" caiu 99% em 2023

Dados obtidos por O TEMPO com a Sejusp indicam que esta modalidade de crime do "Novo Cangaço" apresentou uma redução de 99% em 2023, quando foram registradas apenas duas ocorrências deste tipo. Para se ter ideia, em 2016 Minas Gerais registrou 252 ataques. Segundo especialistas em segurança pública e o porta-voz da Polícia Militar (PM), essa redução é consequência de um maior investimento em inteligência e da colaboração com outras instituições policiais.

Ainda conforme os dados, fornecidos pelo Observatório de Segurança Pública da Sejusp, a maior redução aconteceu entre 2018 e 2019 (- 70,5%), quando o número caiu de 95 casos para 28. De 2021 para 2022, a redução foi de - 64,2%, passando de 14 para 5 registros.

Após analisar os dados disponibilizados pelo Estado a pedido de O TEMPO, a pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP-UFMG), Ludmila Ribeiro, explicou que a queda expressiva nestas ocorrências ocorreu justamente entre 2018 e 2019, quando estratégias de prevenção teriam sido implantadas no Estado.

"Isso (redução) provavelmente está relacionado a uma maior vigilância nas rodovias, e à implementação dos observatórios municipais de segurança pública, com sistemas de videomonitoramento que ajudam a identificar os suspeitos. A melhor forma de combater o novo cangaço é, justamente, investir em inteligência, para verificar o que está para acontecer antes da ação em si, garantindo que esses suspeitos sequer cheguem à cidade", ponderou.

Em conversa com a reportagem, o porta-voz da Polícia Militar (PM), tenente-coronel Flávio Santiago, destacou que, nos últimos anos, a corporação vem adotando uma série de estratégias para conter essa modalidade de crime, sendo boa parte delas sigilosas.

"Não posso detalhar por envolver táticas operacionais, mas posso dizer que a PMMG tem, hoje, uma checagem de inteligência de primeiro mundo. Temos sistemas que cruzam dados de todo o país. Mas, sobretudo, nossa diretoria de inteligência é muito capaz de fazer a identificação precisa das pessoas envolvidas neste crime, o que facilita muito o trabalho. A inteligência tem, cada vez mais, se tornado uma ferramenta importante na instituição", afirma o militar.

Outro ponto destacado pelo porta-voz da PMMG foi a melhoria na chamada "capacidade de resposta" nas rodovias que cortam Minas Gerais.

"Temos agora o Grupo Tático Rodoviário, com policiais fortemente armados nas unidades de trânsito rodoviário da corporação. A PMMG também treinou pessoal dos batalhões de meio ambiente, que, agora, têm um grupo especializado que pode atuar na busca por estes criminosos, que muitas vezes se escondiam no meio do mato. Por fim, temos hoje um jato ligado ao Comando de Aviação, que leva a nossa tropa especializada do Bope em 25 minutos a qualquer lugar do Estado", completou Santiago.

PM cita operação que matou 26 para explicar queda; especialista discorda

Ainda durante a entrevista concedida a O TEMPO, o tenente-coronel Flávio Santiago chegou a citar, como um dos possíveis motivos para a redução nos números do novo cangaço em Minas, a operação na cidade de Varginha, no Sul de Minas, que terminou com 26 suspeitos mortos e levou 32 policiais militares e rodoviários federais a serem indiciados pela PF.

"Aquela ação de Varginha, é interessante que diminuiu muito mais (casos do novo cangaço) também depois dessas ações de confrontamento aqui em Minas Gerais. A própria criminalidade violenta percebeu que há uma força muito grande do lado das polícias", afirmou o policial militar.

Questionado sobre o indiciamento de 16 policiais militares pela PF, o tenente-coronel respondeu apenas que "não comenta informações de peças processuais que correm sob segredo de Justiça". "Houve o acesso a situações que precisam ser confrontadas, mas que a gente não comenta exatamente por conta do segredo", completou o porta-voz da PM.

Entretanto, conforme a especialista em segurança pública e pesquisadora do Crisp, Ludmila Ribeiro, analisando os dados, fica claro que a redução nos casos registrados em Minas aconteceu antes da operação em Varginha.

"Por isso a importância de se investir em inteligência, pois, por meio dela, é possível evitar os crimes sem qualquer indício de letalidade. Por meio da prisão desses sujeitos, é possível lançar mão de outras estratégias, como a famosa delação premiada, que ajuda, inclusive, a entender melhor como esses grupos funcionam, como operam", ponderou a estudiosa do assunto.

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