Quem vê um carro de passeio comum circulando pela cidade nem imagina que dentro dele podem haver malotes cheios de dinheiro. Mas foi em um Celta que um ex-funcionário da Embraforte chegou a transportar R$ 2 milhões em espécie a mando dos donos da empresa, contratada para abastecer caixas eletrônicos do Banco do Brasil entre 2007 e 2013. Ele e outros funcionários relataram, em depoimentos à Polícia Civil, que era comum a transportadora locar veículos pequenos, sem blindagem ou segurança, para substituir carros-fortes com problemas mecânicos e de documentação.
A Polícia Federal determina que valores acima de R$ 21.282 (20 mil Ufirs) sejam carregados em carros-fortes blindados, equipados com duas pistolas calibre 12 e na presença de no mínimo quatro vigilantes capacitados, cada um armado com um revólver 38 ou uma pistola 380. No entanto, além de fazer o serviço em um Celta, o vigilante contou, em entrevista a O TEMPO, que tinha o apoio apenas de um vigilante.
“Nós percorríamos vários pontos de abastecimento com os malotes, correndo o risco de um assalto”, afirmou o funcionário, que explicou que a empresa não tinha estrutura para prestar o serviço ao BB. O presidente do Sindicato dos Empregados das Empresas de Transportes de Valores de Minas (Sintrav/MG), Emanuel Sady, disse que o risco é muito grande em situações como essas. “Só em 2014, foram 80 ataques a transporte de valores no Brasil, mais de R$ 300 milhões roubados”, comentou.
Segundo Sady, eram recorrentes as reclamações de funcionários sobre a falta de segurança. “Fizemos vários comunicados à Polícia Federal na época”, acrescentou, mas a PF não se pronunciou. Os carros eram alugados para substituir carros-fortes com irregularidades. Vários problemas na frota foram relatados em depoimentos à polícia. “Reiteradamente, veículos da empresa eram abordados pela Polícia Militar ou Polícia Rodoviária Federal por não portarem documentos do ano ou por irregularidades, como pneus carecas”, declarou um motorista da transportadora à polícia.
No entanto, de acordo com os funcionários, em questão de segundos os carros eram liberados por conta da influência política dos donos da Embraforte (irmão e sobrinhos de Renata Vilhena, secretária de Estado de Planejamento de 2006 a 2014). “Até armas com numeração suprimida foram encontradas na empresa pela PF. Certa vez aconteceu até um atrito com um policial civil que trabalhava na empresa. Os próprios fiscais do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) iam até a base fazer seus trabalhos e não conseguiam entrar. (...) Os fiscais já comentavam entre si: ‘Esta é a empresa do irmão da Renata Vilhena’”, disse outro empregado à Polícia Civil.
Sobre o suposto desvio de dinheiro do Banco do Brasil, vários funcionários disseram em depoimentos que eram coagidos a depositar quantias menores nos caixas que o valor registrado no sistema.
Ministério Público
Pedidos de prisão. A promotora Nidiane Moraes Silvano Andrade informou nesta quinta que recebeu o inquérito policial sobre o suposto golpe aplicado no Banco do Brasil, entretanto não começou a análise dos documentos. A representante do Ministério Público de Minas disse que ainda vai estudar o caso antes de dar um parecer ao juiz, que então decidirá sobre o pedido de prisão
dos donos e do gerente da extinta Embraforte.
Prazo. Nidiane explicou que não há um prazo legal para emitir seu parecer. “O processo tem oito volumes, e há outros na frente dele (para análise)”.
Rastreamento
Coaf. Cláudio Utsch pediu ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) o rastreamento dos R$ 22,7 milhões que teriam sido roubados do BB. Sobre o resto da investigação, ele não quis se pronunciar.
Advogado
O advogado dos donos da Embraforte, Sânzio Baioneta, afirmou que seus clientes são inocentes. “Eles foram saqueados. Na verdade, são vítimas do esquema. Esse pedido de prisão é completamente desnecessário. Meus clientes estão contribuindo com a investigação e estiveram alguns meses atrás na delegacia para prestar depoimento”, disse em entrevista nesta quinta. Ele garante já estar atuando juridicamente para evitar as prisões.
Vigilantes ficam ‘queimados’ e não conseguem emprego novo
O suposto golpe aplicado pela Embraforte no Banco do Brasil ainda não resultou em punições ou devolução do dinheiro desviado. Mas os impactos foram imediatos na vida de ex-funcionários da empresa, que não conseguem se reinserir no mercado de trabalho.
“A gente não tinha nada a ver com o esquema. Quem se recusava a depositar valor inferior ao registrado no sistema era ameaçado de demissão”, afirmou um dos vigilantes. Ele disse que, desde que saiu da Embraforte, há um ano e nove meses, faz bicos de garçom em eventos e trabalhos de dedetização. “Nas empresas de segurança, eles dizem que não contratam ex-funcionários da Embraforte”, afirmou. Os donos culpam os funcionários pelo roubo. No entanto, não prestaram nenhuma queixa.
O presidente do Sindicato dos Empregados nas Empresas de Transporte de Valores, Emanuel Sady, disse que vários funcionários ainda não receberam direitos trabalhistas, mas que eles já conseguiram, com apoio do Ministério Público do Trabalho, penhorar R$ 1,3 milhão em bens da empresa, que serão leiloados para quitar parte da dívida.