Após exatos 1.973 dias do acidente que matou cinco pessoas e deixou 18 feridas no Anel Rodoviário de Belo Horizonte, Leonardo Faria Hilário, 30, sentou no banco dos réus. Foi a primeira vez que o Tribunal do Júri da capital julgou um crime de trânsito. Na última hora, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pediu alteração da acusação de homicídio doloso (quando há intenção de matar) para culposo (sem intenção) por entender que Hilário agiu com negligência, imperícia e imprudência no acidente de janeiro de 2011, o que, no entanto, não caracterizaram qualquer intenção de assassinato. Até o fechamento desta edição, o veredicto não era conhecido.
O júri começou às 8h e até as 21h não havia terminado. O caminhoneiro passou a sessão emocionado, mas deu respostas firmes durante seu interrogatório, que durou cerca de duas horas. As mãos cruzadas, como quem faz uma prece, demonstravam a angústia de quem poderia sair daquela sala condenado a mais de cem anos de prisão. A alegação da promotoria, porém, era que, no dia da batida, essas mesmas mãos foram incapazes de evitar as mortes em um dos acidentes mais letais da rodovia.
Solto desde março de 2011 por força de um habeas corpus, Hilário viu na mudança de posição do Ministério Público não só a chance de uma redução de mais de 80 anos na sentença no caso de condenação, como também o direito de cumprir penas alternativas fora do regime fechado.
O réu foi sucinto ao se defender: “Deu pane nos freios”, disse ao resumir a causa do acidente. Ele negou que estivesse em alta velocidade, apesar de a perícia da Polícia Civil apontar que ele dirigia a carreta carregada com 37 toneladas de trigo a 115 km/h, onde o máximo permitido é 60 km/h.
Hilário contou que abandonou a profissão após a tragédia – hoje trabalha em uma oficina mecânica no Mato Grosso do Sul, onde mora com a mulher e o filho. “Não tem um dia na minha vida que deixo de sofrer por conta desse acidente. Não tive contato com nenhuma das vítimas, mas penso no ocorrido todos os dias”, completou.
Mudança. O promotor Francisco Rogério frisou que o réu foi negligente, imprudente e imperito quando descobriu o problema nos freios no início do Anel e optou por tentar contornar o problema na pista em vez de aproveitar acostamentos e paredes para tombar o veículo. Porém ponderou que em momento algum o caminhoneiro demonstrou que queria matar alguém ou assumiu esse risco conscientemente.
Testemunhas
Parentes. Nenhum familiar das vítimas acompanhou o júri nem foi ouvido como testemunha. Apenas uma pessoa que se feriu na batida prestou depoimento na audiência.
A pena
Pena. Caso condenado pelos cinco homicídios com dolo eventual, Leonardo Hilário poderia pegar uma pena máxima de cem anos, já que para cada uma das vítimas a sentença varia de seis a 20 anos. No homicídio culposo, a pena chegaria ao máximo de 20 anos, já que, nesse caso, a punição varia de dois a quatro anos.
Outros crimes. Além do homicídio, Hilário foi julgado pelo crime de lesão corporal de 11 pessoas, com penas que variam de três meses a um ano para cada. Havia ainda um caso de lesão corporal grave, para o caso da garota Laura Gibosky, com punição de dois a oito anos.
Penas alternativas. No Brasil, todo crime culposo pode ser revertido para o cumprimento de penas alternativas, independentemente do tamanho da sentença. Dessa forma, Hilário não precisa pagar em regime fechado, mesmo com a condenação.
‘O importante é a condenação’
Ricardo Rodrigues, 49, pai de Laura Gibosky, que ficou gravemente ferida no acidente de 2011, e ainda hoje, aos 9 anos, luta para se recuperar das sequelas, afirma que o importante, independentemente do crime, é haver uma condenação.
“Se for por homicídio doloso ou culposo é uma questão técnica, o importante é a condenação. Na nossa dor, não muda nada, mas certamente é um marco que vai ficar para a responsabilização de quem comete infrações no trânsito que tiram vidas”, destacou.
Legislação. Já o secretário geral do Instituto Panamericano de Política Criminal, Luís Flávio Gomes, defende que a condenação de homicídio doloso para acidentes de trânsito só deve ser aplicada em casos muito específicos, uma vez que o Código Penal estabelece o crime apenas para quem decide matar ou sabe que vai matar e não faz nada para impedir. Nem mesmo a embriaguez poderia justificar essa tipificação.
“A embriaguez por si só não significa dolo. A imperícia menos ainda. Quando há casos como esse, de grande repercussão, o Ministério Público tenta forçar a barra, mas, juridicamente, isso não se sustenta”, explicou.
O advogado destaca, porém, que é preciso atualizar a legislação para tratar de penas específicas para os casos de crimes no trânsito, visando evitar o rigor do homicídio doloso e também a impunidade de motoristas infratores. (BM)
Relembre o caso
Batida. Em 28 de janeiro de 2011, Leonardo Hilário perdeu o controle de sua carreta (carregada com 37 toneladas de trigo) no Anel Rodoviário e atingiu 15 veículos – 14 deles foram arrastados até bater em um caminhão-baú. Cinco pessoas morreram, e 12 ficaram feridas. Segundo a Polícia Civil, ele estava a 115 km/h – o limite era 60 km/h.
Vítimas. Entre os mortos estava Ana Flávia Gibosky, de apenas 2 anos. A prima dela, Laura Gibosky, à época com 4 anos, ainda sofre com sequelas.