Advogado renomado, ex-procurador do Estado de São Paulo e respeitado por colegas de profissão, o “doutor” José Ornelas de Melo, de 74 anos, foi preso preventivamente, nessa quarta-feira (23), em Belo Horizonte, suspeito de um crime cercado de crueldade: o estupro de uma menina de 6 anos, filha dos ex-caseiros da fazenda dele em Florestal, na região Central do Estado. Após os abusos sexuais, o idoso ainda teria ordenado que a garotinha dissesse aos pais que os ferimentos na vagina e as várias lesões no ânus foram provocados por um cachorro da propriedade.
Atualmente morando com uma tia, a menina se empolga ao falar da boneca Sereia e ao mexer com a câmera do fotógrafo de O TEMPO. No entanto, a feição muda quando ela percebe que o assunto entre os adultos é o dia 15 de outubro, quando ela teria sido estuprada pelo “patrão da mãe”, de quem ela se recusa até mesmo a falar o nome.
“O pai dela tinha sido demitido há alguns meses, e a mãe estava trabalhando lá há cerca de três meses. Nesse dia, a mãe, o namorado dela e o genro estavam conversando com o advogado e outro funcionário da fazenda em uma parte externa do imóvel. Enquanto isso, a menina e uma amiga de 8 anos brincavam na piscina”, contou a tia, de 64 anos, sob anonimato.
No fim da tarde, Melo se despediu, entrou no carro e disse que ia embora. Porém, ele retornou à propriedade por outra entrada, foi até a piscina, pegou a menina no colo e a levou para um quarto, onde consumou o abuso. “Depois de um tempo, a mãe sentiu falta da filha, foi procurar e a encontrou sangrando. Ela contou que havia sido atacada pelo cachorro”, lembrou a tia.
A menina foi levada para um pronto-atendimento da cidade e precisou ser transferida para o Hospital Regional de Betim, na região metropolitana, onde foi descartada a possibilidade de que um animal pudesse ter provocado os ferimentos. Ela precisou passar por cirurgia, ficou dias internada e ainda hoje toma medicamentos.
Um inquérito foi aberto e, após 39 dias, o advogado foi preso no escritório dele, no bairro Prado, Oeste de BH. O homem, que não resistiu à prisão e nega o crime, está detido em um presídio de Pará de Minas, na região Central.
Crime e pena. O advogado José Ornelas de Melo foi preso por estupro de vulnerável, com pena que varia de oito a 15 anos de prisão. O Conselho Tutelar foi acionado assim que foi confirmado o abuso sexual e acompanha o caso, que corre em segredo de Justiça. A menina é acompanhada por psicólogos e conselheiras, que vão à casa da tia quase todos os dias. A criança já retornou às aulas.
Suspeito ameaçou matar pais e irmã para amedrontar criança
Por mais de um mês, a garota manteve a versão de que havia sido atacada por um cachorro. Uma ameaça do advogado impediu que a criança o denunciasse. Após os abusos, ele afirmou à criança que, caso fosse denunciado, mataria os pais e a irmã dela de 13 anos.
“Na última semana, enquanto apenas nós duas estávamos em casa, ela chegou perto de mim e disse: ‘você é de confiança, né?’. Eu respondi que sim. Só depois disso que ela contou quem realmente cometeu esse crime. Ela me abraçou chorando, eu chorei junto”, relembrou, emocionada, a tia. A dona de casa procurou o Conselho Tutelar e o delegado André Luiz Cândido Ribeiro, que investigou o crime.
“Isso repercutiu muito aqui em Florestal, recebemos apoio dos amigos e conhecidos, que ficaram revoltados com a situação. Conhecemos ele (o advogado) há mais de 20 anos e nunca imaginaríamos que pudesse fazer isso. A prisão foi um alívio”, finalizou a mulher.
FOTO: Alex de Jesus |
Vítima precisou de cirurgia, ficou internada e ainda toma coquetel de remédios contra doenças sexualmente transmissíveis |
Mãe perdeu guarda e foi demitida após crime
Além de conviver com a dor de saber que a filha de 6 anos foi estuprada, a mãe da menina perdeu provisoriamente a guarda dela – a garotinha está sob os cuidados de uma tia paterna. Segundo a Polícia Civil, o advogado José Ornelas de Melo ainda demitiu a caseira, por telefone, um dia depois do crime, enquanto ela estava acompanhando a filha no hospital. O motivo da demissão não foi esclarecido.
O delegado André Luiz Cândido Ribeiro, da Polícia Civil de Florestal, explicou que o pedido da perda da guarda – até que o responsável pelo estupro fosse identificado – chegou um dia após o crime, por meio do Juizado da Infância e da Adolescência. “Como o namorado da mãe foi um dos suspeitos do estupro, porque também estava no sítio no dia do crime, o juiz achou melhor tirar a menina do convívio da mãe. Depois que a suspeita foi descartada, achamos melhor manter a guarda da criança com a tia para preservá-la. Se ela vai continuar lá ou não, o juiz vai determinar”, explica o delegado.
De acordo com a tia da menina, a mãe da garotinha vai visitar a filha todos os dias. “Minha casa está aberta para ela, pois entendo que a presença da mãe é fundamental para minha sobrinha. Elas está sendo muito bem tratada aqui”, disse a tia de 64 anos.
Rotina
Segundo a dona de casa, a rotina da sobrinha está sendo preservada. “De manhã ela faz os deveres de casa, brinca muito, almoça e vai para a escola. Geralmente, a mãe a visita depois da aula, e ficamos conversando. Um quarto foi improvisado para ela com várias bonecas, tudo para amenizar o que essa menina passou”, disse.
A tia conta ainda que já percebeu comportamento diferente na menina. “Ela evita ficar em lugares cheios, principalmente com muitos homens. Sabemos que esse trauma vai demorar a passar, mas ela sempre vai ter nosso apoio”.
Apoio. Segundo um tio da menina, os moradores ficaram perplexos com a notícia. “Todo mundo conhece o advogado, que era bem relacionado, cumprimentava a todos, acima de qualquer suspeita”, disse. Ainda segundo ele, a família está recebendo apoio da população. “Cada hora vem alguém aqui com uma palavra de ânimo, ajuda a gente”.
Minientrevista
Por quanto tempo o senhor trabalhou para o advogado?
Por mais de 21 anos eu fiz de tudo na fazenda. Trabalhei com gado, capinava. Minhas três filhas, de 21 anos, de 13 e a de 6, foram criadas lá. Eu e minha ex-companheira nunca percebemos nenhum comportamento estranho dele.
Como ficou sabendo do abuso?
Uma conhecida me ligou do hospital de Betim e disse que minha filha estava internada e tinha sido estuprada. Eu endoidei. Quando cheguei lá, vi minha menina entrando para fazer cirurgia. Quando acabou, o médico me explicou que teve o rompimento do hímen e lesões no ânus e na vagina dela. Até então, não sabíamos quem tinha feito isso, e ele (o advogado) também estava no hospital. Teve a coragem de me acusar pelo crime, já que minha filha esteve comigo naquele domingo até as 10h.
Qual foi a sua reação após saber que o advogado tinha cometido o abuso?
Eu não consigo entender por que ele fez isso. É um monstro! Só Deus, minha ‘mãezinha’ (Nossa Senhora Aparecida), minha família e meus amigos estão me dando força. Mas, olha, essa é uma dor que eu não desejo para ninguém.
O seu choro é de alívio por ele estar preso?
O choro é uma mistura de sentimentos. Hoje, graças a Deus, minha filha está viva. Segundo os médicos, ela poderia ter morrido, mas louvado seja nosso senhor Jesus Cristo, ela está comigo. Mas ele vai ter o que merece. Deus vai dar o que ele precisa. Confio na Justiça dos homens e na divina. Dói demais da conta o que ele fez. Me desculpa, eu não sou Deus, eu não sou capaz de perdoá-lo. (Carolina Caetano)
Viagem em vez de prisão?
A equipe de O TEMPO foi até o endereço onde funciona um dos escritórios do advogado, no bairro Prado, na região Oeste de BH, às 17h, mas ninguém foi encontrado nem atendeu o telefone. Não havia placa na fachada, e no lugar da campainha havia fios soltos e um cartaz improvisado com os dizeres “Chamar ao lado”. No prédio comercial vizinho, a informação de uma funcionária foi que o escritório foi fechado mais cedo e que ela ouviu dizer que o advogado José Ornelas de Melo havia viajado sem previsão de volta.
A mulher ainda contou que conversou mais cedo com a secretária de Melo, que informou que eles estavam colocando o escritório em ordem, já que havia pouco tempo que haviam se mudado para lá. “É estranho, mesmo com gente no escritório, eles não atendem quem chega procurando por eles”.