“Nós não viemos pedir, não queremos ganhar nada, queremos trabalho”. A resposta não foi dita por um ou dois haitianos, mas por vários, segundo a coordenadora da pesquisa “A Imigração Haitiana na Região Metropolitana de Belo Horizonte”, Maria da Consolação Gomes de Castro. Eles começaram a vir para o Brasil em 2012, dois anos após o terremoto que devastou o país caribenho. Vieram em busca de emprego para se manter e ajudar as famílias que ficaram para trás e, se não conseguem trabalho aqui, vão para outros locais onde a oferta é maior. É o que tem acontecido com a população do Haiti que se instalou em alguns Estados brasileiros, como Minas.
Não há ainda nenhum estudo para mensurar a saída deles, mas quem trabalha com esses imigrantes percebe nitidamente um novo processo de deslocamento, dessa vez para o Chile e os Estados Unidos. Os que estão aqui continuam trabalhando em subempregos, que mal lhes garantem condições de se manter no Brasil. Mesmo assim, enviam dinheiro para quem ficou no Haiti. Muitos são professores e tinham trabalhos bons no país de origem, mas perderam tudo no terremoto.
A pesquisa sobre os imigrantes, feita pela PUC Minas, estimou que cerca de 3.000 haitianos viviam na região metropolitana de Belo Horizonte no fim de 2015, sendo a maioria (49%) em Contagem. Mas acredita-se que esse número já tenha mudado. “Por conta da crise econômica e do desemprego no Brasil, alguns estão saindo, principalmente os solteiros”, diz Maria da Consolação, que coordena o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão: Direitos Sociais e Migração, da PUC Minas.
Os que ficam são os que não querem arriscar uma entrada ilegal em outro país ou que temem voltar para o Haiti, onde a situação é pior. No início do mês, um novo desastre natural atingiu a nação: cerca de 900 pessoas morreram na passagem do furação Matthew.
A pesquisa feita pela PUC constatou ainda que 64% dos haitianos são homens, e 58%, solteiros. A maior parte está desempregada (37%) ou trabalha como carregador do Ceasa (20%).
Josué Michel, 38, se encaixa em boa parte dos números. Ele era professor de francês e crioulo haitiano (idioma local) no seu país. Após o terremoto, perdeu tudo e veio para o Brasil. Hoje mora na Casa de Apoio ao Imigrante e Refugiado, em Esmeraldas, na região metropolitana da capital, e ganha R$ 900 na construção civil. Desse dinheiro, ele tira R$ 300 ou R$ 400 para se manter aqui, e o resto vai para a mulher e as três filhas, no Haiti. “É muito pouco. Meu sonho é conseguir trazer minha família para o Brasil”, diz.
Cartilha. O Departamento de Serviço Social da PUC Minas lançou uma cartilha bilíngue sobre os direitos dos imigrantes, disponível no link: portal.pucminas.br//servicosocial/70anos/.
Saiba mais
Análise. O estudo selecionou uma amostra representativa de 150 haitianos na região metropolitana da capital. As entrevistas revelam um estado de vulnerabilidade sofrida por eles desde a saída de seu país até hoje.
Políticas. Os estudiosos ressaltam a necessidade de criação de políticas públicas específicas para atender esse público migratório. A maioria vive de aluguel, longe das áreas centrais, em grupos de cinco ou seis pessoas, e sofre preconceito.
Esmeraldas
Casa de apoio tenta se sustentar
FOTO: João Godinho |
Luís Cláudio Corsini (de camisa branca) abriu hotel no ano passado |
Há um ano, o empresário Luís Cláudio Corsini, 40, vendeu sua casa no bairro Belvedere, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, para comprar um hotel que abrigasse imigrantes e refugiados em Esmeraldas, na região metropolitana. A ideia parecia loucura, mas ele mostrou que era possível.
Desde então, a casa de apoio já abrigou 76 imigrantes. Muitos passaram pelo local, conseguiram emprego e foram morar mais perto do serviço. Dois haitianos seguiram para os Estados Unidos, recentemente. O hotel tem atualmente 11 estrangeiros, sendo dez do Haiti e um da Venezuela. Parte da estrutura, composta por 61 quartos, também é dividida com um projeto de reabilitação para dependentes químicos. “Dei um passo radical, mas estamos empreendendo”, diz.
No entanto, a casa de apoio precisa de ajuda. “É uma causa humanitária”, complementa. O dono do hotel não recebe incentivo financeiro do poder público e mantém o trabalho com doações. Os imigrantes pagam, quando podem e estão empregados, R$ 250 por mês. A reportagem chegou ao local em uma noite chuvosa de terça-feira e encontrou todos os hóspedes jantando. Mas a dispensa, muitas vezes, ameaça esvaziar. A dívida com energia elétrica passa de R$ 13,9 mil.
Para tornar o empreendimento sustentável, Corsini montou uma pizzaria no local, que tem entre os sócios o venezuelano Miguel Ányel, 57, um professor de neurociência que veio se refugiar no Brasil. Corsini pretende ainda alugar os quartos e os espaços para eventos.
Como ajudar. A Casa de Apoio ao Imigrante e Refugiado fica no antigo hotel Ipê Amarelo, em Esmeraldas. A pizzaria no local funciona de quinta a domingo. Quem quiser contribuir pode ligar: 99196-9884.