Mar de Lama

Juiz de Linhares determina que Samarco aumente a foz do rio Doce

Esta e outras medidas visam evitar que a lama fique retida na altura da cidade, a última a ser atingida pelos rejeitos da mineradora antes da chegada ao mar

Por JOSÉ VÍTOR CAMILO
Publicado em 21 de novembro de 2015 | 09:58
 
 
 
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"A adoção de medidas mitigadoras dos danos é urgente, mas o Rio Doce não é casa da mãe Joana". Assim o juiz Thiago Albani Oliveira, da Vara da Fazenda Pública, Registros Públicos e Meio Ambiente de Linhares, no Espírito Santo, determinou que a Samarco faça obras para aumentar a abertura da foz do Rio Doce e adote várias outras medidas para preservar o leito. Caso descumpra a ordem, a mineradora poderá ser multada em R$ 20 milhões, além de multa diária de R$ 1 milhão se abandonar a obra na embocadura do rio após seu início. 

Essa determinação do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) reforça o pedido da Justiça Federal do Estado que também já determinou que a mineradora adote ações preventivas para barrar a chegada da lama ao mar. Nesse caso, a multa prevista é  R$10 milhões para cada dia não cumprido da decisão que foi anunciada na última quinta-feira (19). 

As medidas do TJES foram determinadas para garantir que a lama do rompimento da barragem passe sem retenções por Linhares, último município antes de a lama atingir o mar. O magistrado ouviu especialistas e se reuniu com representantes do Instituto Estadual de Meio Ambiente (IEMA) e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBIO) antes tomar a decisão de que a Samarco "adote todas as medidas necessárias informadas pelos institutos para o escoamento da água do rio Doce". 

De acordo com a decisão, a Samarco deverá realizar a proteção dos acessos da água às demais fontes de água (lagoas e afluentes) e áreas sensíveis do estuário, interrompendo a conexão gradualmente e de forma coordenada, de acordo com o avanço da pluma, levando em consideração os pontos que forem identificados pelo IEMA e pelo ICMBIO.

Além disso, a mineradora deverá promover a abertura imediata dos pontos de vazão naturais do rio Doce para o mar, em sua foz, e que estejam assoreados, mantendo-os abertos e com razoável vazão até deliberação dos órgãos ambientais.

A justiça determinou ainda que a empresa, após ser notificada pelo IEMA com a informação do local, remover imediatamente qualquer obstáculo de contenção da água do rio para o mar, seja ele natural ou artificial, inclusive com a apreensão de qualquer máquina envolvida na contenção da água e condução dos responsáveis para a Delegacia de Polícia pelo crime de desobediência, exceto se a máquina estiver sendo utilizada superficialmente para recolher e retirar imediatamente da água material grosso em suspensão.

O juiz Thiago Albani Oliveira ordenou também que sejam resgatados representantes de todas as espécies da fauna aquática nativa do rio, com intuito de salvaguardar a variedade genética, assim como ovos de tartarugas marinhas no litoral que podem ser afetados pela lama proveniente do rompimento da barragem em Mariana, na região Central de Minas. 

A mineradora terá ainda que implantar estrutura para proteger a mata ciliar da margem e nas ilhas do rio, como barreiras de contenção, para que não haja contato direto com o material tóxico, "evitando, também, que ocorra a sedimentação da lama às margens do rio, onde outros animais terrestres possam ter contato direto". 

Em caso de descumprimento das determinações, o juiz fixou multa de R$ 20 milhões, além de multa diária de R$ 1 milhão no caso de abandono das obras da foz, a ser revertida para o Fundo Municipal de Meio Ambiente (FUNDEMA).

Rejeitos podem "estacionar" no município

De acordo com o Município de Linhares, autor da ação, existem dois fatores que indicam que os rejeitos de minério venham a “estacionar” em Linhares. O primeiro deles é a perda da força de correnteza da lama tóxica ao longo dos vários quilômetros que já percorreu. O segundo é a situação atual do nível de água do Rio Doce, que se encontra extremamente baixo, em virtude do assoreamento e da falta de chuvas que nos últimos meses vêm prejudicando a cheia do rio.

O Município afirma ainda que, em coletas de água realizadas para análise, a água do Rio Doce apresentou alto índice de ferro, o que inviabiliza seu tratamento para consumo, além de grande quantidade de mercúrio, que é altamente tóxico para qualquer forma de vida aquática.

O juiz frisa, na decisão, que “os rejeitos e subprodutos de mineração lançados na bacia hidrográfica do Rio Doce, por ocasião do rompimento da barragem, podem fazer com que os ecossistemas afetados levem décadas para se restabelecer. Entre as principais consequências destacam-se os efeitos instantâneos sobre a qualidade da água e na perda de ecossistemas e da biodiversidade local, principalmente da fauna aquática, que, ao entrar em contato direto com material do rejeito (que em tese é composto por lama e outros resíduos, como óleo e metais pesados), será fulminada”.

Por fim, o magistrado afirma que manter os resíduos no rio “é matá-lo, é acabar com a fauna, a flora, a economia, a população e com a dignidade de Linhares, pois não há garantias que tais medidas [de contenção] funcionariam, já que a força do rio não pode ser contida, e mais cedo ou mais tarde tudo o que nele se depositou chegará ao mar, seja pelo tempo, seja pela força das chuvas que se aproximam nesta época do ano. Mandá-lo agora para o mar pode trazer prejuízos a fauna e flora marinha, mas não há garantias que estes estarão a salvo com a suposta retenção, inclusive porque até mesmo o nascedouro da vida marinha regional se faz na foz do Rio Doce”.

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