Possíveis erros médicos

PC apura novas denúncias contra cirurgião plástico com 84 mil seguidores em BH

Delegacia foi procurada por outras duas pacientes na última segunda (29); O TEMPO conversou com vítimas, que reclamam de descaso, infecções e necroses

Por José Vítor Camilo
Publicado em 30 de abril de 2024 | 15:14
 
 
 
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Após a Polícia Civil anunciar que investiga a morte de Norma Eduarda da Fonseca, de 59 anos, em decorrência de complicações de um procedimento estético realizado por um cirurgião de Belo Horizonte, a delegacia foi procurada na última segunda-feira (29 de abril) por outras pacientes do médico que também sofreram complicações. Com 84 mil seguidores nas redes sociais, o cirurgião plástico Rodrigo Credidio, que atende no bairro Anchieta, na região Centro-Sul da capital, foi procurado por meio de seu advogado, e informou, por nota, que "inverdades" estão sendo divulgadas sobre suas cirurgias e que ele e sua família estariam sofrendo ameaças de morte.

Conforme a Polícia Civil, "outras vítimas registraram ocorrência em desfavor do médico para apurar possível crime de lesão corporal". A instituição explicou que, dependendo do grau da lesão, é necessária a representação das vítimas na delegacia para que seja instaurado um inquérito.

"Portanto, é de suma importância que as vítimas procurem uma delegacia de polícia civil mais próxima, a fim de serem submetidas ao exame de corpo delito e/ou apresentem prontuário médico e outros documentos que auxiliem na comprovação das lesões e outros possíveis crimes", orientou.

Norma morreu no último dia 17 de abril, após 62 dias hospitalizada para o tratamento das complicações sofridas, sendo constatada uma infecção por bactéria hospitalar multirresistente. Em entrevista, o filho da servidora da UFMG contou que a família acredita em erro médico e, por isso, procurou a polícia. "Acreditamos que o erro médico começa no planejamento da cirurgia com a duração mais prolongada do que o recomendado. Sem falar na ausência dos cuidados pós-operatórios", disse.

Procurado, o Conselho Regional de Medicina (CRM-MG) informou, por nota, que todas as denúncias recebidas, formais e de ofício, são apuradas pelo órgão, "sendo respeitada a ampla defesa e o contraditório". "Todos os procedimentos tramitam sob sigilo, conforme previsto no Código de Processo Ético-Profissional", completou.

No site do conselho, é possível consultar a situação dos médicos, sendo que Rodrigo Credidio está atualmente com o registro regular, podendo atuar normalmente. Entretanto, o seu registro no estado de São Paulo se encontra cancelado.

Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Regional Minas Gerais (SBCP-MG), Kennedy Rossi, a realização de cinco ou mais procedimentos cirúrgicos em uma única operação é comum, porém, o profissional pontuou que a recomendação é que se tente fazer tudo em um intervalo máximo de 6h.

"Não existe nenhuma norma que limite esse tempo, até porque o médico não pode fazer uma cirurgia correndo. Mas existe uma recomendação de que os cirurgiões tentem se manter em torno de 6h. Não é uma proibição, mas uma reclamação. Existem estudos que falam em menos tempo, outros mais, mas, na prática, não teve ainda como medir isso", conclui.

Descaso no pós-operatório é principal reclamação

O filho de Norma e as pacientes que denunciam Credidio sofreram com infecções e, até mesmo necroses, porém, uma coisa está presente em todos os relatos: o descaso no pós-operatório. O TEMPO conversou com três mulheres que denunciam ter tido problemas após procedimentos com o profissional, porém, segundo elas, pelo menos outras 11 vítimas estariam dispostas a procurar a polícia nos próximos dias.

"Em dezembro de 2019 eu fiz uma lipo com enxerto no glúteo, além de uma rinoplastia. Na época eu tinha 29 anos, fazia exercícios físicos, e eu tive diversas necroses, na lombar, no flanco e nas costas. Como eu e minha família não tínhamos conhecimento médico, eu procurava ele (cirurgião), mandava fotos, e ele não falava em necrose, só usava o termo equimose (hematomas)", detalhou uma das pacientes, de 33 anos.

Após 20 dias do procedimento, já "definhando" pela falta de apetite, segundo a paciente, ela resolveu procurar uma dermatologista. "Quando cheguei, as enfermeiras não quiseram me atender devido à gravidade. A médica mandou me internar imediatamente, pois meu quadro já estava quase evoluindo para uma sepse", lembra a mulher.

Depois de passar 10 dias internada, ela ainda seguiu com os antibióticos e voltando ao hospital diariamente para limpar as feridas e fazer a remoção da pele necrosada. "Não consigo falar que houve um erro médico, mas digo que houve uma omissão por parte dele em falar o que realmente estava acontecendo", concluiu.

O relato é parecido com o de outra paciente do cirurgião, uma mulher de 39 anos, que, em novembro de 2022, fez alguns procedimentos necessários depois de sua primeira gravidez. "Uma amiga me indicou e, após a consulta, ele (Credidio) sugeriu que eu fizesse também uma lipoaspiração com enxerto no bumbum, que o preço não aumentaria tanto", lembra.

Após todos os exames serem feitos, o procedimento aconteceu, tendo uma duração de 7h30 segundo a mulher. Logo no primeiro dia após a alta, ela conta ter notado que os pontos começaram a ficar escuros. "O acompanhamento dele é por mensagem. Eu mandava a foto, a secretária mostrava para ele e passava as respostas, sempre dizendo que estava tudo bem. Mas tive uma necrose muito importante no abdômen, a ferida foi abrindo e ele falando que estava tudo bem, que era para eu confiar nele, que era para ficar entre nós, para eu não procurar outro médico ou hospital pois não iam poder fazer nada por mim", detalha a paciente.

Ela conta ainda que, após ver a notícia da morte de Norma em O TEMPO, obteve forças para denunciar o que ela considera negligência. "Eu procurei ele por uma questão de qualidade de vida e, até hoje, tenho sequelas das cicatrizes. Quando vi a notícia da Norma e diversos comentários de pessoas que passaram por coisas semelhantes, consegui forças para seguir adiante", finaliza.

A terceira paciente, de 28 anos, conta que colocou um implante de silicone nos seios em dezembro de 2020 e, cerca de 10 dias depois, começou a apresentar complicações, com dor, inchaço e vazamento de líquido em um dos seios. Procurado, o cirurgião apenas prescreveu uma pomada inicialmente, e alguns medicamentos como diuréticos, anti-inflamatórios e antibióticos.

"Depois de 4 meses assim, resolvi procurar uma maternidade, pois acabei engravidando depois do procedimento. Lá, fizeram a retirada de 100 ml de secreção purulenta, tenho o laudo disso. Me passaram antibiótico e mandaram procurar o cirurgião. Quando fiz isso, ele me mandou um áudio que achei muito rude, dizendo que eu não precisava de ter procurado o hospital, que não tinha nada infeccionado. Depois disso eu não o procurei mais, tive minha filha que, infelizmente, não pôde mamar em um dos seios pois estava drenando líquidos", lamenta a paciente.

Médico alega que denúncias são "inverdades"

Procurado o advogado de Rodrigo Credidio, alegou, por nota enviada pelo seu advogado, João Cruz, que reforça seu "compromisso com os mais altos padrões éticos e profissionais no exercício da medicina", destacando que atua há 18 anos e que possui Registro de Qualificação de Especialidade (RQE) em cirurgia plástica e em cirurgia geral, tendo atendido mais de 4 mil pacientes ao longo da carreira.

"A respeito das alegações de falhas no pós-operatório, informo que não posso expor o quadro clínico de nenhuma paciente ou quaisquer questões dispostas em seus prontuários, em virtude do sigilo médico previsto no Código de Ética Médica do CFM. É essencial relembrarmos que a medicina possui limitações, as quais são esclarecidas nos Termos de Consentimento entregues a todas as pacientes abordadas na matéria. Intercorrências ou insatisfações decorrentes de resultados não podem, em hipótese alguma, serem tratadas como 'erro médico'", disse no texto.

Em seguida, Credidio afirma que estariam sendo divulgadas "inverdades" acerca de seus procedimentos, afirmando ainda que, por causa disso, ele e sua família estariam sofrendo ataques e ameaças de morte "de forma desumana". "É crucial frisar, também, que toda e qualquer alegação deve ser sustentada por evidências concretas, com laudos e dados probatórios. A ausência desses elementos pode acarretar danos injustos e irreversíveis à reputação e à carreira de um profissional de saúde", concluiu a nota.

Médico diz que "virose" levou Norma ao hospital

Já sobre a morte de Norma, o médico alegou, também por meio de seu advogado, que a cirurgia realizada 60 dias antes da morte da mulher "ocorreu sem nenhum tipo de intercorrência", apontando, ainda, que uma "virose" teria levado Norma ao hospital.

"Ressalto que acompanhei pessoalmente a paciente em sua entrada no hospital, em razão de ter contraído uma virose. Nessa ocasião, conforme comprovado mediante exames de sangue, não constava nenhum sinal da presença de bactéria multirresistente. A confirmação só ocorreu, nessa mesma unidade de saúde, um mês após a realização do procedimento conduzido por mim, o que confirma a impossibilidade de ligação entre os eventos", escreveu a nota divulgada pelo defensor do médico.

Por fim, o profissional disse que não existe qualquer exame ou indício que aponte para má conduta no procedimento. "Toda a documentação se encontra disponível para acesso de familiares e autoridades competentes", concluiu.

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