Dengue

Prefeitura de BH perde para o Aedes aegypti desde 1992 

Em 20 anos, a cidade registrou 302 mil casos, alternando períodos de surto e de controle da doença

Por João Renato Faria
Publicado em 07 de fevereiro de 2016 | 04:00
 
 
 
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A autônoma Amanda Santos, 33, não acreditou quando recebeu o diagnóstico de dengue pela terceira vez, em 2014. Após ter enfrentado a doença em 2001 – quando ficou dez dias de cama – e em 2010, ela voltava a enfrentar as dores insuportáveis pelo corpo, a febre e a sensação de mal-estar provocadas pelo vírus. “A última vez foi a pior. Não conseguia comer e fui internada”, conta.

Apesar de extrema, a história de Amanda ilustra bem a situação da infestação do mosquito Aedes aegypti em Belo Horizonte. Desde 1992 a prefeitura da capital luta contra o inseto. Nos últimos 20 anos, com cerca de 302 mil casos confirmados, a cidade alternou momentos de baixo registro de novos casos de dengue com picos que chegaram a ter mais de 50 mil ocorrências da doença.

“A população sabe sobre a dengue, que não pode deixar água parada, que tem que estar sempre vigilante. Mas temos dificuldade de transformar esse conhecimento em ações efetivas, que ajudem no combate ao mosquito”, diz o secretário municipal de Saúde, Fabiano Pimenta. Diante desse quadro, na semana passada, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, admitiu que o país tem perdido o combate. “Estamos há três décadas com o mosquito aqui, no Brasil, e estamos perdendo feio a batalha para ele. Ano passado foi o (ano) que teve o maior número de casos de dengue no país em toda a história”, lembrou.

Para o professor Álvaro Eiras, do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, alguns fatores explicam o sobe e desce nos casos registrados da doença na capital mineira. “A dengue tem quatro tipos de vírus, que ficam circulando. Então, alguns desses picos podem ser a reintrodução de tipos diferentes do vírus”, explica. Outro motivo é um relaxamento com as medidas de combater o mosquito. “As pessoas se assustam quando existe um surto e ficam vigilantes no ano seguinte. Depois, vão descuidando”, afirma.

É o que Amanda acha que aconteceu. Depois de ter sido diagnosticada pela primeira vez com dengue, ela adotou medidas de segurança, mas não sabe se os vizinhos tiveram o mesmo zelo. “A calha, por exemplo, é de difícil acesso, mas eu faço um esforço para conferir. Não sei se pessoal do bairro faz o mesmo”, diz.

Adaptação. Para Eiras, erradicar o mosquito é impossível. “Ele é adaptável à vida urbana, e os nossos meios de locomoção ajudam a espalhá-lo pelo mundo. Vamos ter que conviver com o mosquito por muito tempo”, avaliou.

Por isso, o combate ao inseto deveria ser ainda maior. “O Aedes é vetor de pelo menos 23 vírus, e só temos quatro no país, sendo que só a febre amarela tem vacina. Ou seja, a solução é controlar o mosquito”.

Epidemia

Recorde. O número de casos de dengue notificados no Brasil chegou a 1,6 milhão em 2015. Foi o maior número desde o início da medição, em 1990.

Tecnologia pode ser aliada

Como o resultado do combate aos focos de reprodução do mosquito é incerto, a ciência tem buscado novas frentes para tentar conter as doenças que o Aedes aegypti transmite. Uma dessas iniciativas é o projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil, capitaneada pelo pesquisador Luciano Moreira, do Instituto Oswaldo Cruz.

O grupo insere uma bactéria do gênero Wolbachia em mosquitos criados em laboratório, o que impede que os insetos transmitam o vírus. Uma vez soltos no meio ambiente, ao se reproduzirem, eles disseminam a bactéria para as próximas gerações até que 100% dos mosquitos parem de transmitir a dengue.

Outra alternativa é o monitoramento MI-Dengue, desenvolvido pela UFMG, que é feito por meio de armadilhas que atraem o mosquito. Uma vez por dia, um técnico as visita e atualiza em tempo real se há a presença do inseto. “Em vez de bater de porta em porta atrás do mosquito, nós o atraímos e conseguimos descobrir onde ele está. Os dados geram um mapa que mostra quais os locais devem receber atenção maior”, disse o professor Álvaro Eiras, um dos criadores do projeto.

Cidades como Porto Alegre (RS), Santos (SP) e Vitória (ES) já adotaram o sistema, que está no mercado há mais de dez anos. “Um teste feito em Minas entre 2009 e 2011 avaliou a tecnologia. Custou R$ 3 milhões para o Estado e conseguiu evitar pelo menos 27 mil casos de dengue, uma economia em internações e recursos de pelo menos R$ 18 milhões”, diz Eiras. 

Os riscos do mosquito

Não é só a dengue o perigo do Aedes aegypti. O mosquito é vetor de outras doenças e, além de transmitir febre amarela, é responsável por infectar as pessoas com a febre chikungunya e o zika vírus. Esta última pode ter relação com a microcefalia em recém-nascidos. Em Minas, a Secretaria de Estado de Saúde já confirmou dois casos de zika: uma gestante em Ubá, na Zona da Mata, e um bebê em Curvelo, na região Central. Outros 17 casos são investigados.

Já a chikungunya foi registrada em sete pessoas que se contaminaram fora do Estado, em 2015. 

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