As trocas de olhares apaixonados ainda permanecem intactas na memória da aposentada Maria das Graças Ribeiro, 78, toda vez que ela passa pelos arredores da Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem. Foi ali, há mais de 50 anos, que ela conheceu o seu falecido marido e pai de seus três filhos, em um “footing” – como eram chamadas as paqueras antigamente, quando os rapazes e as moças ficavam circulando em locais públicos.
As lembranças da socialização na praça da Boa Viagem, no entanto, contrastam com sua atual realidade. Mesmo sendo tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), o local está abandonado e degradado, conforme moradores.
A consequência foi o afastamento dos frequentadores, que raramente usam o espaço para momentos de lazer. “Antigamente, depois da missa, ficávamos na praça para passear e paquerar os meninos. Era bem à moda antiga. Atualmente, não vejo mais quase ninguém aqui. Eu mesma só passo quando vou à igreja. Aqui era um lugar mais agradável, os jardins, mais bonitos, mais bem-conservados. Mas com o passar do tempo, a praça foi ficando de lado e parece que deixou de existir para as pessoas que moram na região”, lamenta Maria.
Há pouco tempo incomum na praça, a presença de usuários de drogas agora é recorrente. “Infelizmente, a gente vê isso aqui, o que também inibe o lazer. Por conta disso, muitos preferem ir à praça da Liberdade, que é aqui ao lado do bairro”, disse o morador João Roberto Souza Silva, 54.
A solução para isso pode estar perto de ser implantada. Um projeto de recuperação e restauro da praça da Boa Viagem foi aprovado neste mês pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte, e agora espera a aprovação também do Iepha para ser executado.
Na proposta de revitalização estão previstas a limitação de vagas para estacionamento de apenas nove veículos – hoje o local abriga mais de 20 carros por dia –, melhorias na acessibilidade dos visitantes e uma requalificação dos jardins. “No projeto, tentamos resgatar o jardim da praça, com a colocação de novas plantas, do gramado e até mesmo de árvores, retirando, assim, algumas espécies que já estão mortas, como é o fícus, por exemplo”, explica uma das arquitetas do plano, Isabel Brant.
Outra novidade com a revitalização será a iluminação monumental da catedral. “Atualmente, durante a noite, a igreja costuma ficar escura. No projeto, essa iluminação será modificada, ficando semelhante à de alguns prédios do Circuito Cultural da praça da Liberdade”, conta a arquiteta.
Adoção. Conforme a Prefeitura de Belo Horizonte, se aprovadas, as obras – cujo orçamento não foi informado – deverão ficar a cargo da Construtora Viver, por meio de uma contrapartida de um dos seus empreendimentos em Belo Horizonte. Ainda segundo o Executivo, na “adoção” da praça, a empresa ficará responsável pela manutenção por um período de cinco anos, a partir do início das intervenções.
1923
Reforma quer resgate de igreja original
Com uma arquitetura neogótica e 146 torres, a Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem está em processo de restauração desde o ano passado, em uma iniciativa da própria Arquidiocese de Belo Horizonte. Atualmente, as obras, cujo investimento previsto em 2014 é de R$ 6 milhões, estão na fase de conserto e remanejamento do sistema elétrico da catedral.
“É uma restauração que não tem prazo para acabar, pois vai depender do dinheiro que entrar com a ajuda de fiéis e da comunidade. É uma obra demorada, com percalços, mas que, quando finalizada, trará outra imagem à igreja”, explicou o padre Marcelo Carlos da Silva, titular da paróquia e reitor do santuário.
De acordo com ele, a intenção é resgatar a originalidade da obra de 1923. “Estamos fazendo em partes. Primeiro foi o telhado, agora, a fiação. Depois, virão projetos de sonorização, luminotécnico e segurança. Iremos também resgatar a cor original da igreja, que é o ouro colonial. A restauração junto com a da praça (se for feita) será um benefício muito grande para toda a comunidade”, afirmou o padre Marcelo.
Missas. Por conta das atuais obras, iniciadas em abril deste ano, a catedral está fechada para visitação durante a semana, em horário comercial. A realização de missas e outros eventos, no entanto, continua acontecendo normalmente. (JC)
Moradores
“A gente pode ver que é um bairro pequeno em tamanho, mas que já nasce com uma responsabilidade enorme, em função da história dele. Ao mesmo tempo, não é fácil mudar o nome de um bairro e acho que levará tempo até que todas as pessoas aqui comecem a falar que moram no Boa Viagem.”
João Roberto Souza Silva, 54
Morador e membro da associação
“Acho que a criação do bairro e da associação irá nos unir para fazermos o melhor para todos aqui. Um dos problemas, além da depredação da praça, está nas alterações no trânsito da região. É preciso colocar semáforos e rotatórias para dar mais segurança.”
Sônia Queiroga, 69
Presidente da futura associação de moradores