Três anos e quatro meses depois da queda do viaduto Batalha dos Guararapes, que matou duas pessoas e deixou 23 feridas, em 3 de julho de 2014, na avenida Pedro I, na Pampulha, em Belo Horizonte, nove dos 11 réus no processo criminal estão sendo interrogados no Fórum Lafayette nesta sexta-feira (24), pelo juiz da 11ª Vara Criminal, José Xavier Magalhães Brandão.
Onze pessoas foram denunciadas como responsáveis pela tragédia. Um dos réus, Francisco de Assis Santiago, engenheiro da construtora Cowan, empresa que executou a obra, morreu em um acidente de carro no início do ano. O auxiliar técnico da Cowan, Omar Salazar Lara, é boliviano e será ouvido por carta rogatória em seu país.
Os interrogados
Estão sendo interrogados um diretor e dois engenheiros da Consol, um diretor e dois engenheiros da Cowan, um ex-secretário de obras e dois engenheiros da Sudecap (Superintendência de Desenvolvimento da Capital), que um órgão da Prefeitura de Belo Horizonte. A Consol foi a empresa responsável pela elaboração do projeto do viaduto.
Os advogados Luiz Carlos Abritta, da Cowan, e Thiago Almeida, da Consol, defendem as empresas que representam e jogam a culpa na outra. Para Thiago, não houve erro de cálculos por parte da Consol.
“O bloco que se imputa como causa do desabamento não foi efetivamente a causa do desabamento. Ele foi elaborado e suportava as cargas das estrutura. Tanto assim, que o bloco da alça norte, que é gêmeo do bloco da alça sul, ele foi corretamente descorado e não caiu”, disse Thiago.
A tese da defesa
O advogado da Cowan, Luiz Carlos Abritta, mantém a tese de que houve erros de cálculos por parte da Consol. “Laudo da Polícia Civil e da Criminalística aponta que o erro que gerou a queda do viaduto foi no cálculo. Inclusive, demonstra a transposição equivocada. O engenheiro da Consol transfere valores errados, o que gera todo um redimensionamento no bloco na quantidade de ferragens e na quantidade de aço”, afirmou Abritta.
O promotor de Justiça designado para o processo, Marcelo Mattar, disse que as empresas Cowan e Consol estão com as mesmas teses de defesa do início do processo, mas que a responsabilidade é de todos. “A Consol imputa responsabilidade a uma suposta má engenharia da Cowan na execução dos trabalhos, dizendo que a causa principal da queda do viaduto se deveu à utilização de concreto vencido e à abertura de janelas não autorizadas no tabuleiro, o que teria provocado o colapso estrutural da parte de cima do viaduto, que desabou até o chão”, disse o representante do Ministério Público.
Erro de cálculo
De acordo com promotor, a Cowan continua sustentando que o problema básico foi um erro no cálculo do pilar que desabou e que esse bloco não tinha a resistência necessária para suportar o peso do viaduto. “O Ministério Público trabalha desde o início com a ideia de corresponsabilidade. Nós defendemos que todos esses fatores contribuíram com o resultado. Existe, sim, um erro estrutural no cálculo da base P-3, que foi localizado pela criminalística. Existem, sim, vários indícios de má engenharia por parte da Cowan. A abertura de janelas não foi autorizada pela projetista. Também abriram seis muros de proteção que elevaram o peso do complexo em 27 toneladas. Isso também não foi autorizado pelo projetista”, disse o promotor.
Ainda de acordo com Marcelo Mattar, os operários da Cowan iniciaram a retirada de escoras e os operários perceberam que houve forte resistência e o concreto entrou dentro das escoras. “Isso é um sinal de que eles deveriam ter chamado um projetista, interrompido o tráfego na avenida e paralisado a obra. Mas, o engenheiro responsável no local foi resistente e determinou que os operários prosseguissem na retirada das escoras, até que o viaduto colapsou”, afirmou.
Outros responsáveis
Marcelo Mattar também falou da responsabilidade da Sudecap na tragédia. Para ele, a deficiência na fiscalização foi notória.
“A Sudecap não tinha estrutura, como não tem, para fiscalizar uma obra desse porte . Não havia uma empresa contratada para fazer esse acompanhamento. A Consol tinha sido contratada, mas o contrato havia findado e a Sudecap não renovou o contrato por motivo ignorado. Havia, apenas, informações de um engenheiro sem muita qualificação técnica em obras pesada que acompanhava mal e mal essa obra”, disse o promotor.
Outro detalhe que resultou na tragédia, segundo Mattar, foi a pressa que a obra estava sendo feita para ficar pronta antes da Copa da Mundo de 2014.
“Eu não sabia que isso era possível. Teve operário que fez 130 a 140 horas extras em um mês, além do tempo normal. A obra seguia até às 22h e nos finais de semana e feriados. Tudo isso ajudou com a tragédia”, reagiu o promotor.
As punições
Diretores e engenheiros da Cowan e da Consol estão processados por desabamento doloso com mortes e lesões corporais. A pena máxima pode chegar a 12 anos. No caso da Sudecap, os réus respondem por desabamento na forma culposa, devido à negligência na fiscalização. a pena pode chegar a quatro anos.
O processo
A fase de instrução do processo acaba com esses interrogatórios dos réus. Depois, será aberta vista do processo para o Ministério Público apresentar suas alegações finais escritas. O prazo é de cinco dias, mas pode ser prorrogado devido à complexidade do caso.
Depois, cada um dos advogados irá apresentar suas alegações, para depois sair a sentença do juiz. O promotor acredita que a sentença deverá sair no máximo em 120 dias, contando os prováveis recursos das partes.
Indignação
A dona de casa Analina Soares dos Santos, mãe da motorista de ônibus Hanna Cristina dos Santos, de 25 anos, que morreu esmagada pelo viaduto, acompanha todas as audiências desde o início do processo. Ela se diz indignada com a demora no andamento dos trabalhos da Justiça. Segundo a mãe de Hanna, ninguém está preocupado com as duas mortes.
“A gente fica indignada com o andamento das coisas. Houve duas mortes e pelo que eu vejo ninguém está preocupado com isso. Ficam aqui, um jogando a culpa no outro, construtora jogando para projetista, projetista jogando para Sudecap. E, assim, eles vão levando e não se preocupam com quem se foi. É muito dolorido acompanhar eles agindo assim. Esperamos um ponto final nisso, para a gente saber realmente quem é o culpado”, lamentou a mãe da vítima. “Tenho fé em Deus que vou ver o culpado pagar pelo que fez”, acrescentou.
Hanna deixou uma filha, Ana Clara, que hoje está com 9 anos. “Ela fala muito da mãe e pede para levá-la até onde a mãe está”, disse Analina. Até hoje, as famílias das vítimas não receberam indenização. O processo está parado.
Durante muito tempo, a dona de casa conta que evitou evitou passar pelo local da tragédia. “Hoje, eu passo e fico enxergando que aquele viaduto só foi montado para tirar a vida de duas pessoas. O viaduto não faz e nunca fez falta nenhuma”, disse.