Pandemia

Transplantados que tiveram Covid-19 são afetados de maneira desigual pela doença

Estudo da Faculdade de Medicina da USP mostra que os indivíduos que fizeram transplante de fígado e tiveram coronavírus apresentaram uma recuperação mais rápida do que os transplantados de coração ou rim

Por Da Redação
Publicado em 20 de setembro de 2021 | 14:45
 
 
 
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Uma pesquisa feita com 39 pessoas que receberam órgãos transplantados mostra que os indivíduos que passaram por um transplante de fígado e depois contraíram Covid-19 apresentaram uma recuperação mais rápida e um processo inflamatório muito menor do que os transplantados de coração ou rim. Esses pacientes, inclusive, evoluíram até melhor do que as pessoas não transplantadas. A constatação é resultado de um estudo feito no Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), publicado na revista Transplantology.

A evolução da Covid-19 no grupo de 39 receptores de órgãos foi analisada pelos pesquisadores, sendo que 25 receberam transplante de rim, sete de coração e sete de fígado. Os dados foram comparados com outros 25 pacientes que contraíram a doença não transplantados (grupo controle), pareados por idade e sem comorbidades. Todos foram monitorados diariamente quanto a biomarcadores de infecção pelo SARS-CoV-2 para que a evolução da Covid-19 fosse acompanhada. Os voluntários foram divididos por órgão recebido, idade e tempo de transplante.

“Uma hipótese para essa evolução desigual da doença entre transplantados pode estar na diferente quantidade de imunossupressores utilizados para que o órgão não seja rejeitado”, diz Ricardo Wesley Alberca, bolsista de pós-doutorado e autor do artigo.

Ele explica que transplantes de coração e rim exigem um uso maior de medicamentos imunossupressores que os transplantes de fígado, por exemplo. “Com isso, além de constatar que nem todo paciente transplantado reage de maneira igual à Covid-19, nosso estudo aponta para a possibilidade de testar determinados imunossupressores no tratamento da Covid-19, não necessariamente em paciente transplantado”, afirma o pesquisador.

Alberca ressalta, no entanto, que a provável relação entre a quantidade de imunossupressores e a evolução da Covid-19 entre transplantados se trata apenas de uma hipótese, que ainda precisa ser investigada com maior profundidade.

“Esses pacientes recebem tratamentos de imunossupressão diferentes. Os transplantados de rim e de coração recebem uma imunossupressão muito maior que os transplantados de fígado. Inclusive, está sendo realizado um ensaio clínico, por um grupo de pesquisadores de fora do Brasil, com uma imunossupressão muito conhecida que é utilizada nos pacientes de fígado”, explica.

A hipótese dos pesquisadores da FM-USP é que uma leve imunossupressão durante a infecção pelo coronavírus poderia, eventualmente, trazer bons resultados para o paciente. “Isso ainda precisa ser investigado. Mas, em tese, essa imunossupressão poderia ser benéfica para casos de hiperativação do sistema imunológico, como ocorre na chamada tempestade de citocina típica da Covid-19 grave. Nesses casos, o organismo responde de maneira exagerada à infecção e isso acaba eventualmente sendo letal para os pacientes”, diz Ricardo Alberca.

GRUPO DE RISCO - Pacientes com comorbidades, idosos e transplantados foram identificados como grupos de risco para a forma grave da Covid-19, desde o início da pandemia. Mas, o fato de os transplantados formarem um grupo muito específico na população em geral, foram realizados poucos estudos com eles e, geralmente, sem investigar o efeito da doença entre transplantados de diferentes órgãos.

O estudo da Faculdade de Medicina da USP faz parte de um inquérito epidemiológico maior, que analisou mais de 500 pacientes com Covid-19 internados no Hospital das Clínicas no primeiro semestre de 2020. O trabalho é  apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e conta também com um auxílio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Os pesquisadores também vão avaliar a infecção pelo SARS-CoV-2 em indivíduos que estão sob tratamento com imunossupressores ou imunomoduladores, como é o caso de pacientes com psoríase, dermatite atópica ou que fazem uso de antirretrovirais (portadores de HIV).

“Estamos avaliando o impacto de diferentes comorbidades na resposta imunológica contra a Covid-19 e esperamos, com o estudo, obter uma maior compreensão da imunopatogênese da Covid-19 em associação a doenças ou condições que necessitam do tratamento com imunossupressores, como no caso de transplantes de órgãos”, diz a professora da Faculdade de Medicina da USP, Maria Notomi Sato.

O estudo, que envolve pesquisadores do Laboratório de Investigações Médicas 56 (LIM-56) da FM-USP e de outras instituições, como Instituto Adolf Lutz, Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), busca ainda avaliar possíveis tratamentos para a síndrome inflamatória provocada pelo novo coronavírus.

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