É só Paloma (nome fictício), 29, começar a falar que dá para perceber que ela não é de Belo Horizonte. “Olha, piá, o negócio não está bom em nenhum lugar. E a gente tem que tentar tirar dinheiro de alguma forma. Viajar é uma delas”, disse. Garota de programa, ela veio de Curitiba (PR) para a capital mineira em busca de novos clientes e de ser uma pessoa “nova” diante de um mercado cada vez mais concorrido.
“Quando você vai para uma cidade nova, você também é uma novidade, e isso acaba despertando mais interesse. Eu já estive em três Estados diferentes e em todos tive um ‘up’ no meu cachê e ganhei muito mais do que se tivesse ficado apenas em Curitiba”, detalhou ela.
Profissionais do sexo ouvidas pela reportagem contam que, diante da crise econômica e da baixa procura de clientes, viajar para outra cidade vem sendo uma forma de “complementar a renda” de muitas acompanhantes. Em Belo Horizonte, por exemplo, segundo elas, está cada vez mais comum encontrar “estrangeiras”.
“Sempre foi de aparecer algumas caras novas, principalmente do Rio de Janeiro e São Paulo, mas nesses últimos meses nitidamente vem aumentando cada vez mais. Nem todo mundo aceita essa ideia, porque é uma concorrente a mais, né, mas elas estão no direito delas”, disse a prostituta Duda (nome fictício), 27, que planeja fazer uma viagem ainda neste ano.
“Eu nunca saí de Belo Horizonte. Minha família não sabe o que eu faço, então fica mais difícil explicar uma mudança. Mas posso inventar umas férias, não sei bem ainda. Se eu for para outro lugar por uma temporada, planejo alguma cidade do Nordeste, mais turística”, afirmou.
Tráfico. Algumas prostitutas tentam aumentar o faturamento com a venda de drogas. Na última semana, a reportagem de O TEMPO acompanhou, por duas horas, a movimentação de garotas de programa na avenida Afonso Pena, na região Centro-Sul. Duas mulheres paradas próximo à esquina da rua Cambuí receberam, ao menos em quatro situações diferentes, a visita de um motorista em um Volkswagen Gol, que entregou para elas, em todas as ocasiões, uma espécie de pacote. Minutos depois, era possível vê-las distribuindo esses pacotes a outros motoristas.
Uma das garotas que trabalham próximo ao local contou à reportagem que, diante do baixo movimento, algumas profissionais vêm revendendo drogas de alguns traficantes. “É para complementar a renda”, afirmou a mulher. Segundo ela, as prostitutas sempre portam pequenas quantidades de drogas para minimizar o risco de uma abordagem policial.
Fiscalização
Polícia. Procurada pela reportagem, a Polícia Militar (PM) informou que operações são feitas de forma recorrente na região Centro-Sul de Belo Horizonte para combater o tráfico de drogas.
‘Putafobia’
Preconceito é grande desafio
Se em uma frente as profissionais do sexo tentam contornar a crise econômica e a queda no número de clientes, em outra elas lutam contra o preconceito. Pelas redes sociais, a Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig) faz campanhas contra a chamada “putafobia” – preconceito contra as garotas de programa.
“Há um preconceito contra as prostitutas, e existe certa violência contra elas. Nas delegacias, na maioria da vezes, não somos bem atendidasl, e há situações em que existe até mesmo uma criminalização. E a nossa luta é para que sejam feitas discussões de políticas públicas para melhorar esse aspecto e também para combater a violência contra as profissionais”, afirmou a presidente da Aprosmig, Cida Vieira.
De acordo com a associação, somente na região da rua Guaicurus, existem cerca de 4.000 prostitutas. Já na região metropolitana de Belo Horizonte, a estimativa é que o número de garotas supere os 70 mil. “Não sei se houve um aumento no número de garotas por conta da crise, eu não observei isso”, acrescentou Cida ao ser questionada se a Aprosmig identificou crescimento do número de acompanhantes na avenida Afonso Pena.
A associação foi criada em 2009 com o objetivo de lutar pela saúde das profissionais (com orientação para prevenção de doenças sexuais e gravidez), cidadania e direitos humanos.
Resposta. A assessoria da Polícia Civil informou que qualquer delegacia está apta a receber ocorrências envolvendo prostitutas. Em caso de denúncias, por preconceito ou mau atendimento, é recomendado entrar em contato tato com a corregedoria ou a Ouvidoria Geral do Estado.
Saiba mais
A associação. A Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig) oferece, junto com parceiros, apoio jurídico e psicológico às garotas de programa. Atualmente, ela funciona nos fundos de um estacionamento na rua Guaicurus, 648, no centro de BH, das 9h às 18h.
Museu. Desde junho deste ano, Belo Horizonte conta com o Museu do Sexo Hilda Furacão, que é levado a exposições itinerantes. “A intenção é criar um filme em um ano. Vamos fazer um acervo e queremos que o museu (fixo) seja na Guaicurus, que faz parte da história de Belo Horizonte”, disse a presidente da Aprosmig, Cida Vieira.
Minientrevista
Fran, 23
Prostituta que trabalha em um hotel da rua Guaicurus, no centro de Belo Horizonte
Desde quando você é acompanhante sexual?
Eu era atendente de uma loja de um shopping aqui, no centro de Belo Horizonte. Em janeiro, depois do ano-novo, fui demitida. Entrei no seguro-desemprego e tentei procurar um emprego enquanto isso. Bati na porta de vários lugares, mas só recebi “nãos”. Não tenho faculdade nem experiência a não ser com lojas. Tenho um filho para criar e tive que dar um jeito nisso em maio. Não tenho a ajuda do pai dele.
Como está sendo a experiência?
Olha bem, eu pensava que seria outra situação.
Por quê?
Não está me dando a grana que eu pensava que daria. Os clientes são poucos. Os homens passam aos montes aqui. Me chamam de “delícia”, mas a maioria só fica nisso. Tem dia que é um pouco melhor, mas a rotina é essa que você está vendo aí hoje. Muito papo e pouca grana.
Quantos programas você faz, em média, por dia?
Depende muito. Já teve dia que saí sem nenhum. Já teve dia com mais de dez.
E qual o valor?
O valor também depende do que vai ser feito e da duração. Mas vai de R$ 50 a R$ 100. Menos do que isso, eu não libero.
Sua família e amigos sabem do seu trabalho?
Nem pensar. A maior parte da minha família na verdade mora no interior, mas minha mãe é vizinha de casa, lá em Ribeirão das Neves. O que eu falei com ela é que arranjei um emprego em outra loja, mas sem carteira assinada.
E se alguém te vir aqui?
Eu já pensei nisso, mas não gosto de ficar pensando nessa ideia. Se eu vir alguém conhecido, certamente vou me esconder ou fechar a porta do quarto, não sei. Mas também será a palavra minha contra a dessa pessoa. Eu estou prostituta, mas não sou prostituta. Assim que der, saio e volto a ser vendedora.