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Transposição do descaso

Água seca depois de obra em pé de serra

Água de riacho no alto de uma serra desapareceu depois que um dos túneis da transposição começou a ser escavado, denuncia fazendeiro

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O agricultor José Ataciso relembra os tempos em que o olho d’água corria pelo vale e matava a sede d
O agricultor José Ataciso relembra os tempos em que o olho d’água corria pelo vale e matava a sede de animais; até jiboias ficavam por ali
PUBLICADO EM 10/10/13 - 03h00

SERTÃO NORDESTINO. No sertão paraibano, há alguns trechos de serra onde a seca é ainda pior. As estradas íngremes dificultam o acesso, e isso faz com que os carros-pipa de algumas prefeituras não consigam chegar a todas as propriedades rurais, sobretudo àquelas que estão nas porções com maior altitude.

Em São José de Piranhas, como se não bastasse a estiagem, a água de um riacho no alto de uma montanha secou após o início da escavação do túnel Cuncas II, de 4 km de extensão, no eixo Norte, bem ao pé da serra. O olho d’água era refúgio para matar a sede de animais. É o que conta o fazendeiro José Ataciso Pereira, de 66 anos, que tem uma propriedade cortada pelo antigo curso d'água. Para o homem, o fato de a água ter secado é um efeito das obras.

Na propriedade de Ataciso, os carros-pipa da prefeitura não conseguem chegar por causa do acesso precário. A água que a família bebe vem de um poço e é salobra. “Mas dá para matar a sede”, diz ele, ainda ressabiado com a presença da reportagem.

No local onde passava o olho d’água, quando chovia, chegou a existir uma mata. Hoje, há apenas folhas secas. Os troncos, sozinhos, não conseguem amainar o sol forte. No antigo leito, ele mostra onde havia um sangradouro das águas. Tudo está seco. “Dizem que minha água desceu toda para o túnel e lá agora parece um chuveiro. A rocha aqui embaixo foi quebrada”, conta, mostrando o chão pedregoso. “Lá no túnel, pelo que me contaram, enchem até pipa com a água que passava aqui e que me servia e servia aos vizinhos”, relata.

Mesmo com as secas seguidas, aquele curso d’água jamais havia secado, conforme conta Ataciso. A água, de acordo com ele, acabou quando o túnel começou a ser construído. “Meu gado tomava dessa água e eu também. Era uma água limpinha”, afirma, emendando que “as safras deste ano e do ano passado não deram nada”. Ainda no antigo leito, Ataciso conta que nem as jiboias, espécie de cobra própria de locais úmidos, resistiram ao fim do olho d’água.

Poucos metros à frente, apenas um pocinho d’água restou para contar história. A água é até cristalina, mas Ataciso conta que tudo ali está morrendo. “Tinha uma pedra aqui que jorrava água, mas não tem nada mais”.

A falta de água ainda prejudica as plantações. A terra, diz o agricultor, não é mais a mesma. “Já plantei muita coisa aqui. Neste ano, até tentei, mas nada deu certo. Não chove”, afirma Ataciso, que hoje, tem 60 cabeças de gado. “Mas quero diminuir para umas 20 cabeças porque está difícil vencer a seca”, conta ele. “Daqui a pouco, a água acaba, se não chover”, arrisca.

Homens saem em busca de vida melhor

A seca prolongada no sertão nordestino tem criado famílias sem homens. Sem o que fazer com a terra seca, para muitos, o jeito é seguir para o corte de cana no interior de São Paulo, onde passam de oito a nove meses e depois retornam para as cidades de origem. É uma forma de garantir um sustento para a família, mesmo que seja apenas temporário. “Nossos agricultores estão no corte de cana em São Paulo. Aqui, morreriam de fome”, afirma o secretário adjunto de Agricultura de São José de Piranhas, Manoel Soares Sousa. Ele não tem números certos, mas estima que ao menos 3.000 homens tenham saído da cidade rumo ao interior paulista para tentar uma vida menos sofrida. A mesma situação existe na cidade de Mauriti, no Ceará. Na vila onde mora o agricultor Antônio Bezerra de Souza, 41, boa parte dos vizinhos foi embora para o corte de cana. A secura da vida no sertão não deixou que a vida ali seguisse seu rumo natural. “A gente vai rebolando para sobreviver por aqui”, conta ele, mostrando um resto de água numa cisterna que está para ficar seca a qualquer momento. O homem engrossa o coro daqueles que não acreditam mais na transposição. “Passou muito tempo e a gente não vê qualquer progresso nisso aqui”, explica ele. 

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