A música para Sandra Leão começou com o som do choro. Que fique claro, ela se refere ao ritmo musical brasileiro. Isso aconteceu quando ela tinha 17 anos. Porém, só aos 25 descobriu o estilo que faz a sua cabeça nos dias de hoje, tanto que já assina com codinome: DJ Sandri. “Tudo aconteceu muito naturalmente. Eu sempre tive um interesse grande pela pesquisa musical e, como muitos amigos pediam indicações, eu acabei criando uma rádio na web que tocava música 24 horas por dia”, rememora.
Daí para começar a tocar foi um pulo. “Fui sendo chamada para discotecar em festas de conhecidos, até que outros lugares e pessoas passaram a conhecer e gostar do meu trabalho”, conta. Hoje em dia ela é a mentora de festas em Belo Horizonte dedicadas à discotecagem, como a Geleia Geral Brasileira.
Na visão de Sandra “existem, sim, parâmetros que diferenciam os DJs profissionais dos amadores”. “O profissional busca se aprimorar cada vez mais, seja na pesquisa musical, na performance ou no equipamento. Muito embora eu mesma prefira outro termo. Me considero muito mais uma seletora e sinto certa estranheza em ficar nesse cabide que é a palavra ‘DJ’”, responde.
Marcos Ruback, natural de Juiz de Fora como seu irmão gêmeo Lucas, com quem forma dupla que alcançou sucesso no exterior com apresentações em Alemanha, Suíça, Dinamarca, França e África do Sul, compreende que “a música não tem limites”. “Acabamos de rodar um documentário com a nossa turnê pela Indonésia e pela Austrália, é sempre uma experiência fantástica para qualquer DJ, seja ele profissional ou amador, essa troca com culturas distintas da nossa, pois enriquece o repertório. O importante é ter em mente o respeito à diversidade. Numa pista de dança estão pessoas com os mais diversos gostos musicais. Sempre buscamos ao máximo estabelecer uma conexão com o público local, preservando o nosso estilo”, sintetiza.
Estilos. João Gabriel pesquisa discos há 15 anos. Na época, ele estudava música na Fundação de Educação Artística e ainda não atendia pelo codinome DJ Bill. Ele produz suas próprias músicas e já se apresentou em famosas casas noturnas de BH, como Nelson Bordello e Baixo Centro Cultural. “Tenho um trabalho com samples de 50 músicas brasileiras voltadas ao hip hop, fruto de uma pesquisa que empreendi”, declara. Bill tem experiência internacional em Portugal e na Alemanha.
Residente na festa Baixo Ventre ao lado da DJ Naroca, a DJ Sandri constata que “a cena está cada vez melhor para as mulheres, e é muito importante que haja cada vez mais delas no rolê e que os organizadores de eventos nos incluam”. Sobre o seu estilo, ela “mistura rap nacional e estrangeiro, reggae, música brasileira contemporânea e funk”, lista. Lauro Malloy, DJ residente da boate naSala destaca o “fenômeno do Brazilian Bass, vertente do house (estilo musical de discotecagem) criado no Brasil que acertou em cheio o gosto do público”, afirma. Mineiro, Guido Santana começou como DJ no Major Lock há seis anos e atualmente vive em Los Angeles. Em sua visão, “cada gênero e maneira de tocar tem o seu mérito, mas admiro muito a arte do vinil, por ser uma das mais difíceis e trazer uma influência muito grande para mim, pela performance dos artistas”, resume.
Cenário. Anderson Noise é citado por todos os entrevistados como uma de suas referências em matéria de DJ. Natural de Belo Horizonte, o artista começou a carreira em 1988 e alcançou projeção internacional. No currículo, apresentações em Portugal, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Espanha e projetos especiais ao lado de nomes como o do maestro João Carlos Martins, a cantora Daniela Mercury e os músicos da banda Skank. “O cenário está saturado porque todo mundo fala que é DJ, toca por amizade e tira o trabalho de um profissional. A tecnologia facilitou esse acesso, e houve um boom comercial, de quantidade. A cidade está engessada como um supermercado, em que não te dão a opção de alimentos orgânicos”, avalia. Para a DJ Sandri, “muitos espaços não têm pagado o justo ao nosso trabalho”.
Empreender
Programa, agência e curso para DJs
As iniciativas para ferver a pista em BH partem de todos os lados. No ar todo domingo das 19h às 21h na rádio UFMG, o programa “Junto e Mixado” é comandado pelo DJ Guimyts há cinco anos. Ele esclarece que “a proposta de ser ao vivo é as pessoas saberem como o DJ trabalha e, inclusive, desvincular a música apenas do eletrônico, tocamos também de forma acústica”, ressalta.
Enquanto isso, Vitor Falabella comanda há oito anos a Season Bookings, primeira agência de DJs da cidade. “BH se tornou destino de grandes artistas vindos de fora e pôde dar vazão a projetos promissores, gerimos hoje a carreira de mais de 70 artistas”, informa.
Para completar, André Mayrink leciona curso de DJ no Major Lock Pub desde 2013. “É mais um diferencial da casa. Antes fui professor convidado de discotecagem da Pro Music”, diz. (RV)
Formação
Ser DJ é coisa que se aprende na escola
Música na escola. A teoria levada a cabo pelo maestro Heitor Villa-Lobos em 1932 no Brasil ganhou novos ares em Belo Horizonte. Com a abertura da DJ PRO, o proprietário Bernardo Braga acredita ter “dado um passo fundamental para a disseminação e a ampliação consciente dessa prática”.
Começamos no dia 21 de janeiro deste ano. Sou DJ há muito tempo e, em 2010, quando percebi que não havia nenhuma escola para ensinar o ofício em Belo Horizonte e tive que ir para São Paulo, entendi a imensa lacuna que havia em nosso mercado”, afiança.
Para Bernardo, que, além de misturar canções alheias, produz os seus próprios sons, a principal diferença entre um DJ considerado profissional e o amador está “no repertório, práticas sem teorias não são muito bem aceitas, porque nascem muito do ‘achismo’ de cada um”, sustenta.
Já Nara Torres, que atende pelo codinome DJ Naroca e também atua como percussionista e professora de música em Belo Horizonte, desde 2011, leva outra reflexão ao debate. “Pensar que uma palavra envolve ‘profissão’, a outra, envolve ‘amor’, e nosso trabalho envolve as duas”, sentencia.
Para ela, “no campo da arte, os limites entre profissional e amador são nebulosos. O profissionalismo vem da experiência. Muitas coisas que aprendemos com a vida não são ensinadas na escola. Quem não tem artista na família vai aprender como? Com a vida, os erros, os colegas. Eu acredito na capacidade de evolução e aperfeiçoamento de cada ser humano e me encaixo nessa visão”, argumenta. (RV)