São Paulo. O filme argentino “Paulina” é baseado numa incômoda e original produção de 1960, na qual a hoje veterana Mirtha Legrand encarnava uma jovem professora da elite portenha que, contra a vontade do pai, resolve dar aulas num subúrbio de Buenos Aires. Ali, é estuprada pelos próprios alunos e tem uma reação surpreendente: resolve enfrentar a família, o noivo e a Igreja, desculpando os criminosos e mantendo a gravidez que resulta do ato.
Na época, a produção de tom televisivo tinha por objetivo criticar o conservadorismo dos costumes e o lugar restrito ao qual as mulheres estavam limitadas na sociedade. Nas mãos agora do cineasta Santiago Mitre, o filme vira um suspense sociológico em que esses temas seguem presentes, só que de forma atualizada.
A produção, porém, está longe de fechar-se em um panfleto de foco limitado. O diretor de “O Estudante” (2011) joga luz também em outras características. Uma delas é o enigmático universo psicológico que faz com que Paulina (Dolores Fonzi) reaja dessa maneira. Como no filme original, ela também desculpa seus agressores e sai em busca de alguma justificativa cultural para entender a monstruosidade que sofreu. A outra proposta do diretor é discutir o que ocorre numa determinada zona fronteiriça na América do Sul.
Se o filme original se passava em Buenos Aires, este se traslada ao norte do país, a província de Misiones, que tem limites com o Brasil e o Paraguai. Aí, a produção revela um espaço multicultural, mas aonde o Estado não chega. Trata-se de uma terra-sem-lei, onde as instituições ditas civilizadas não têm força para instalar-se e a autoridade ainda se impõe de acordo com uma lógica ancestral e, portanto, machista.
Paulina parece transitar atordoada por não entender as regras dali e a mescla de idiomas que escuta. Enquanto o espanhol oficial é falado na superfície do cotidiano, é em guarani que se fazem as piadas, que se verbalizam o assédio e a burla, e com o qual os adolescentes mestiços atacam, de forma velada e raivosa, a branca forasteira.
Paulina então percebe que o único sentido de pertencimento que eles têm não é a um país ou território, mas a um grupo e sua lógica: a da patota (nome original do filme). A partir daí, sob pressão do pai e do namorado, que querem dar um jeito na situação, castigando os estupradores, Paulina se questiona como é possível aplicar a justiça civilizada num território como aquele.
Prefere acreditar que a educação oferece uma saída mais eficiente, embora se convença de que isso não é possível a curto prazo. Contra toda a suposta lógica de uma mulher branca, de elite portenha e com recursos, ela não tenta fugir do problema e não corre para uma clínica de aborto em Buenos Aires, mas, sim, prefere mergulhar no problema.
O filme pode irritar o feminismo engajado ao tentar oferecer algum tipo de justificativa e de contexto ao crime perpetrado contra Paulina. Por outro lado, oferece um espaço de reflexão sobre esses territórios esquecidos e afastados dos grandes centros do continente, onde o Estado falha e a falta de educação perpetua brutalidades.
Outras estreias
As estreias da semana ainda incluem “Como Eu Era Antes de Você”, baseado no livro de Jojo Moyes; “Elvis & Nixon”, sobre o encontro entre o rei do rock e o presidente americano; o brasileiro “Mundo Deserto de Almas Negras”; nova versão de “As Tartarugas Ninjas – Fora das Sombras” e “Tini – Depois de Violetta”, baseado na série da Disney Channel.