A conversa por telefone era ruidosa, e os ouvidos cansados levavam Bibi Ferreira, 94, a se esforçar, atenciosamente, para escutar cada pergunta. “Pode repetir, por favor? Preciso entender para poder respondê-la”, dizia, cuidadosamente. Sem exibir seus louros e com a praticidade de quem já falou muito sobre sua longa trajetória artística, Bibi segue até o final dando atenção às curiosidades da repórter.
“Obrigada, minha filha, pelo espaço e pela oportunidade de divulgar meu trabalho. E venha, por favor, ao camarim me dar um abraço após o show”, assim encerra a conversa, mostrando que a simplicidade, além de seus esmerados talentos, é o que a leva para além do epíteto de diva do teatro brasileiro. Dentro de seu rigor, Bibi se mostra pessoa simples e mulher calorosa.
No ano passado, ela criou “4xBibi”, espetáculo em comemoração aos 75 anos de sua respeitada trajetória artística. Seguindo com as comemorações, ela volta a Belo Horizonte nesta quinta-feira (9), em única apresentação no Grande Teatro do Palácio das Artes, com canções de artistas a que ela já havia dado voz em espetáculos anteriores. Em “4xBibi”, ela canta o que mais gosta do repertório de Frank Sinatra, Amália Rodrigues, Carlos Gardel e Edith Piaf, em um só show. “Se eu for falar desses artistas, não paro de falar nunca mais. Busquei no repertório delas o que mais me atrai ou o que tenho maior facilidade em fazer. Então, reproduzo o que eles fizeram a minha maneira”, conta.
Além de impressionar com o trânsito por quatro idiomas – inglês, francês, espanhol, além do português –, a voz de Bibi, quase sacralizada, a leva ao reconhecimento de ser a mulher que impressionou os norte-americanos ao cantar o ídolo Sinatra ou ainda de ter na plateia a presença da fadista portuguesa Amália Marques, que assistiu a “Bibi Canta e Conta Piaf” 14 vezes e declarou que, se algum dia alguém fosse cantar e contar sua vida, que essa pessoa fosse Bibi.
Mas quanto à sacralização, Bibi é pragmática. “Não é nada demais. Tenho uma voz comum. Quando canto ‘La Vie en Rose’, por exemplo, às vezes, uma nota aguda não é bem dada porque está fora de minha tessitura, que é onde começam e terminam as notas. Não posso ultrapassar isso. Mas se não sai da forma como deveria, busco outra maneira bonita para poder cantar. Deus me deu a faculdade de abrir a boca, cantar e chegar a algumas notas. E eu tento fazer isso da melhor maneira”, afirma. “Mas, se vai cantar, o canto tem que sair da alma”.
Bastidores. A construção do roteiro de “4xBibi” ela divide com o maestro Flávio Mendes e Nilson Raman. Acompanhada de dez músicos, ela interpreta, entre outras, “Fadinho Serrano” e “Povo Que Lavas no Rio”, de Amália Rodrigues; “Esta Noche Me Emborracho”, de Carlos Gardel; algumas baladas românticas de Sinatra, como “The Lady Is a Tramp” e a clássica “New York, New York”; e, de Piaf, canções como “Millord”, “L’Accordeniste” e outras que, normalmente, entram no bis, como conta Nilson Raman, narrador e idealizador do espetáculo.
Sempre tão reservada e discreta em sua vida pessoal, o show traz curiosidades que colocam Bibi mais próxima do público. “Em vez de contar a história desses artistas, contamos a história dos bastidores da carreira de Bibi. Ela quase que não fez Piaf, por exemplo, porque achava as músicas muito tristes. Até que um dia, uma amiga a chamou para ouvir as canções com mais atenção”, diz Raman.
“Conto histórias do meu dia a dia, do que me acontece. Por exemplo, um dia, eu ainda não tinha entrado no palco. Estava no bastidor. A orquestra entra e dá minha deixa. Eu entro, recebo os aplausos e a gratidão que o público tem de estarmos ali. E é minha gratidão também. Mas, de repente, eu esqueci tudo. Estava ali e não estava. Fiquei olhando pra frente como se eu fosse uma estranha.
Estava perdida completamente. A orquestra repetiu minha deixa três vezes, e eu não entrava. Foi quando minha secretária, que estava a caminho do camarim, percebeu aquele silêncio sepulcral e notou que eu não havia entrado. Ela voltou para coxia e disse para mim ‘Foi a noite...’. Eu ouvi e cantei ‘Foi a noite, foi ao mar, eu sei’”, cantarola Bibi. “É como ficar no escuro. Aconteceu poucas vezes comigo, mas, se acontece, dá vontade de desistir da profissão”. Ainda bem que não o fez.
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‘4xBibi’: voz, simplicidade, elegância e maestria
Bibi canta Frank Sinatra, Carlos Gardel, Amália Marques e Edith Piaf em espetáculo comemorativo
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