Em “City of Stars”, música do concorrente “La La Land” que deve ganhar o Oscar no domingo, Emma Stone e Ryan Gosling cantam que o que todo mundo procura “é o amor de alguém: um toque, um olhar que incendeie os céus e abra o mundo, uma voz que diga ‘eu estou aqui e vai ficar tudo bem’”. O que é verdade. Mas o amor do musical de Damien Chazelle não é de verdade. É um amor de cinema, colorido e idealizado, entre dois jovens brancos e bonitos com todo o privilégio do mundo a seu dispor.
Na realidade, o amor é difícil. Ele machuca. E pior ainda: o mundo parece dizer a muitas pessoas que elas não têm direito a ele. É o caso do protagonista Chiron, de “Moonlight – Sob a Luz do Luar”, que estreia nesta quinta-feira (23). Desde a primeira aparição de seu olhar na tela, ele está em busca desse toque que traga vida e diga que vai ficar tudo bem. E toda vez que alguém lhe oferece isso, essa é a mesma pessoa que vai machucá-lo da pior forma possível. Porque o amor é isso: algo de que dependemos para sobreviver, e também o motivo de nossas dores mais agudas – não existe um sem o outro.
E o longa do diretor Barry Jenkins ilustra isso por meio de três momentos na vida do protagonista. No primeiro, na infância, ele é Little (Alex Hibbert) – garoto negro e pobre da periferia de Miami, provocado e perseguido pelos colegas de escola e filho de uma viciada em heroína, Paula (Naomie Harris). Monossilábico, seu rosto parece prestes a afogar no próprio medo e na sua dor, até conhecer Juan (Mahershala Ali), um traficante que se torna uma figura paterna para ele.
O filme materializa essa imagem em uma de suas cenas mais bonitas, quando Juan ensina Little a nadar. A câmera de James Laxton permanece na linha entre o mar e a superfície, como esse garoto prestes a afundar, trazido de volta à superfície e sustentado ali pelo toque do traficante. No mundo opressivo e na luz dura da fotografia saturada de Laxton, a gentileza e o toque de Juan são um respiro de carinho e amor que mantêm Little vivo. Até o garoto descobrir o que “veado” significa – e, ao mesmo tempo, que a origem desse toque é a mesma de uma de suas maiores dores.
Isso vai se repetir na adolescência, quando o agora Chiron (Ashton Sanders) tem sua primeira experiência sexual. Vítima de bullying na escola e aterrorizado pela própria mãe, ele se sente sem lugar no mundo, o que fica claro nas viagens sem rumo no metrô. E aí, Chiron atende o chamado do mar (novamente) e acaba encontrando um colega ali.
É uma sequência sublime, em que Jenkins faz os quatro elementos se alinharem para trazer seu protagonista de volta à vida. A fotografia saturada, pela primeira vez, se torna um calor aconchegante, e a água do mar se une ao ar da brisa, ao fogo do baseado e à terra da areia para potencializar a explosão de um único toque que faz tudo ter sentido. Mas esse toque que afaga será, novamente, o mesmo que machuca.
E o resultado disso é Black (Trevante Rhodes), persona que o protagonista assume já adulto. Jenkins sempre retrata seu protagonista como um animal indefeso, acuado, preso: na casa abandonada, após a fuga na sequência inicial; e na grade da escola, escondendo-se dos bullies, no segundo ato. No terceiro, essa prisão se torna seu próprio corpo: músculos, roupas e uma dentadura dourada que servem de armadura para protegê-lo do mundo exterior.
O olhar de Black, porém, é o mesmo abismo de dor e de uma necessidade desesperada por amor de Little e Chiron. O elenco de “Moonlight” é, sem exceções, impecável – Mahershala Ali é uma fonte de luz bem-vinda num mundo de escuridão, e a humanidade que Naomie Harris dá a uma personagem tão terrível torna Paula ainda mais assustadora. Mas que esse olhar de Chiron seja exatamente o mesmo nos três atores que o interpretam é o maior mérito do excepcional trabalho de Barry Jenkins.
É o olhar de alguém implorando por algo para sua sobrevivência – assim como o viciado implora ao aviãozinho na primeira cena do filme. Não é sexo. Não é romance. Não é nem paixão. É simplesmente um toque que o faça sentir que ele está vivo – e que não importa se ele é negro, pobre, gay, traficante: alguém enxerga sua dor e tem a humanidade necessária para se conectar com ela. E o poder revolucionário de “Moonlight” é fazer com que nos perguntemos se temos essa humanidade – e com base em quê nos damos o direito de decidir quem pode ou não amar e ser amado.
Black é o resultado de todos esses toques – de Juan, Kevin, Paula, dos bullies – que afagam e machucam durante sua jornada. E é por isso que toda cena do longa tem a potência de uma porrada. Mas nenhuma delas é mais forte que a fala final do protagonista. Ela mira direto na boca do seu estômago e vai te deixar sem ar. Mas logo depois, vem o carinho. Não existe um sem o outro.
Outras estreias
Muitas novidades pegam carona no Carnaval: os amigos Matt Damon e Ben Affleck lançam, respectivamente, “A Grande Muralha” e “A Lei da Noite”, ambos fracassos de crítica e de público nos EUA. Para quem prefere o cinema europeu, tem “A Garota Desconhecida”, novo dos irmãos Dardenne, ou o romance lésbico nórdico “A Jovem Rainha”. Agora, se o que você quer no feriado é besteirol, pode ficar com as opções nacionais adulta (“Internet: O Filme”) e infantil (“Bugigangue no Espaço”), ou a hollywoodiana “Monster Truck”.