Cantor e compositor, Flávio Henrique assumiu a linha de frente da rádio Inconfidência em novembro de 2015. Na conversa com o Magazine, ele comenta a linha editorial da rádio, que já tem 18 novos programas no ar, e fala também dos planos para a estação que, em 2016, completa 80 anos. Entre eles, está a transformação da rádio em multimídia e a mudança para a nova sede.
Passados alguns meses da sua gestão, como avalia o que encontrou a rádio, do ponto de vista da gestão?
Podemos dizer que encontrei um cenário de crise no governo. A verba de custeio da rádio foi reduzida em mais de 20%. Depois da minha chegada, foi necessário reduzir o quadro de funcionários terceirizados e, aos poucos, aumentar o faturamento comercial da rádio.
Como ficou o quadro de funcionários com essa redução? O modelo de contratação por concurso público funciona para a rádio?
Não temos a quantidade suficiente de funcionários porque o concurso foi realizado há dez anos e, de lá pra cá, vários funcionários saíram ou estão licenciados. E não temos como substitui-los. A rádio precisa de um novo concurso e o que me cabe é alertar o governo para essa necessidade. Também precisamos de novo plano de cargos e salários. Não é só na rádio, mas, em relação às tabelas de sindicatos de radialistas e jornalistas, os salários estão defasados. Agora estamos congelados sem poder contratar ou aumentar salários. Assim que o governo conseguir respirar melhor, a médio prazo, podemos tenta melhorar isso.
Mas algumas alterações nas equipes já podem ser vistas no ar, né?
Eu montei a minha equipe, são funcionários comissionados. Fiz muitas trocas, coloquei uma equipe mais jovem para trabalhar. Montei um time criativo, olhando por essa ótica da inovação. Eu cheguei pensando bastante na programação que é a cara da rádio. E foquei minha atenção na mudança para a nova sede. Já adquirimos alguns equipamentos, com recursos próprios da rádio, e vamos criar um estúdio de produção musical, gerando conteúdos exclusivos. É um processo burocrático, mas a gente muda ainda neste ano. E junto com isso, a rádio adquiriu equipamentos de radiodifusão. Teremos tudo novo na nova sede e vamos parar de pagar aluguel.
Além da proximidade física, dividindo a mesma sede com a Rede Minas, como irão estreitar a relação?
A ideia de estar perto da TV é boa, podemos potencializar muita coisa, fazer uma troca de conteúdo não só com os convidados que frequentarem a sede. Mas existe um projeto mais amplo em tramitação que é a criação da Empresa Mineira de Comunicação (EMC). É uma proposta que funde a rádio e a TV. Não sei avaliar se isso vai acontecer dentro da nossa gestão porque são questões demoradas, mas temos discutido isso de trabalharmos mais perto, não só fisicamente. Mas, se a fusão vier a acontecer, a Inconfidência tem que se preparar para preservar sua identidade. É uma empresa que tem 80 anos e vocação de ser a casa da música brasileira. Isso é importante e não pode mudar.
Do ponto de vista da missão de uma rádio pública, qual o seu projeto para Inconfidência?
Neste ano, com essa dificuldade no quadro de pessoal, tivemos que usar bastante voluntários na programação. Temos 15 colunistas e uns seis apresentadores voluntários, sem remuneração, como a Aline Calixto, o Thiago Delegado, Lucas Fainblat. Estão fazendo isso pelo espaço que é bom e pelo interesse em divulgarem a própria visão da música. Mas, para isso ser mais democrático, estamos pensando, para 2017, em um edital de voluntariado, aberto às pessoas que tiverem interesse de participar da rádio, de maneira institucionalizada.
Mas sem recursos?
Estamos estudando um mecanismo para que estes voluntários possam ganhar um percentual do patrocínio do programa, por exemplo. Se o programa tiver um faturamento, que estes proponentes possam receber por isso. Mas, nosso departamento jurídico está apenas estudando estas possibilidades, isso está em construção.
O que norteou as mudanças feitas na programação?
Temos 18 programas, alguns são pílulas. Uma coisa que chamou a atenção das pessoas foram os programas apresentados por artistas. Tivemos momentos históricos da música brasileira em que todos os dias tínhamos na TV um programa comandado por artistas. Isso é legal porque o artista traz uma visão de dentro, o que não exclui o trabalho dos programadores. Associamos a visão de dentro e a de fora, de quem faz e de quem ouve. Hoje, o departamento de programação tem que ficar de olho na internet. E ali, nós temos funcionários antigos que são importantes, que trazem uma bagagem grande, como o coordenador da FM, Paulo Bastos, que está trabalhando com as pessoas novas que chegaram.
Qual a carga horária de programação própria da rádio?
Ficamos 24 horas no ar e temos apenas dois programas de fora, que representam duas horas por semana. O resto todo é feito na rádio.
Além dos programas culturais, o que você alterou na cobertura jornalística?
É importante falar do futebol. Assumi o risco de passar o futebol apenas na AM. Na FM, ele criou um conflito porque o futebol atrai um público muito masculino e a FM estava perdendo público feminino, o que foi recuperado com a saída do futebol. No jornalismo, em geral, aumentei a presença dos jornais e tentei dar liberdade para as pessoas poderem trabalhar. Acho que temos nos posicionado mais. Estamos em um momento em que a democracia e a defesa do voto direto estão acima de qualquer coisa partidária e acho que os jornalistas podem se exprimir defendendo isso. Também nas campanhas institucionais, estamos abordando a diversidade, pedindo paz e serenidade nos momentos de conflito. E voltando à programação, temos muitos colunistas que falam da diversidade, abordando o feminismo, a cultura negra. O Paulo Proença vai trazer questões LGBT, o Guto Borges de cidadania e ocupação da cidade. O nosso principal é o João Paulo Cunha, com um olhar cultural que esbarra muito bem na política. Pensamos em colunistas que estão pensando, que têm um conteúdo bacana e são todos voluntários. O Elias Santos, nosso apresentador, diz que o importante é que as pessoas liguem a rádio em busca de informação e cultura e não de ingressos e brindes sorteados.
Este é o ano em que a Inconfidência comemora 80 anos. O que está por vir de transformação nesta marca?
Vamos fazer um resgate histórico. Recebemos caixas de fitas gravadas com a programação da rádio que pertenciam a uma ouvinte que veio a falecer. Fizemos uma parceria com o curso de comunicação da UFMG e os alunos vão mapear cerca de 1.600 fitas, onde achamos que tem um material histórico. Com isso, vamos fazer uma exposição virtual chamada Retratos Sonoros. Outra ação são os programas itinerantes que vamos gravar na rua. Vamos para o Bar Museu Clube da Esquina, universidades. Na AM, vamos na casa de ouvintes, do interior. E vamos aproveitar esses momentos para fazer mini documentários. Começar a alimentar as redes sociais com vídeos, duas ou três vezes por semana. Transformar a rádio em multimídia. Queremos não só ampliar o público na internet, mas fazer esse registro desses 80 anos e, quiçá, um documentário maior sobre esse 2016 que tem sido um novo momento para a rádio.