Se o cantor e compositor Cartola (1908-1980) só foi descoberto pelo mercado fonográfico e pelo grande público aos 65 anos de idade, quando gravou seu primeiro disco, para a cantora Teresa Cristina, 49, o encontro definitivo aconteceu ainda mais adiante, próximo à morte do sambista. “Eu me lembro de ouvir ‘As Rosas Não Falam’ e ‘O Sol Nascerá’ quando era pequena. Mas comecei a estudá-lo com mais atenção em 1980. Desde então, eu sempre tive uma admiração muito grande e passei a reconhecê-lo como um gênio da música brasileira”, exalta.
A cantora, ao lado do toque virtuoso do violão de Carlinhos Sete Cordas, traz à capital, nesta sexta-feira (26), “Teresa Cristina canta Cartola”. Baseado no álbum que gerou DVD de mesmo nome, lançado pela artista no ano passado, o espetáculo enfileira clássicos do compositor homenageado. Além dos dois citados pela entrevistada, constam, entre outros, “O Mundo É um Moinho”, “Tive, Sim”, “Acontece”, “Peito Vazio” e “Pranto de Poeta”, esta última uma música de Nelson Cavaquinho, das poucas associadas à Cartola. Ele a regravou em 1977 em dueto com o autor e companheiro da escola de samba Mangueira.
Teresa ainda acrescentou uma novidade para apresentar ao público. “Eu canto no show todas as músicas do disco e também ‘Cordas de Aço’, que não gravei. Cartola tem tantas músicas bonitas que, para ter um norte, escolhi as que já conhecia a melodia e a letra, que são as músicas da época em que eu cantava Cartola nos bares da Lapa (bairro carioca), por isso são músicas muito afetuosas para mim, que me acompanham há tempos”, justifica.
Assinatura. Cartola faleceu em 1980, aos 72 anos. Trabalhou como lavador de carros e foi encontrado exercendo o ofício pelo jornalista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que admirava o autor de “As Rosas Não Falam” desde antes de seu estrelato. A partir deste encontro e resgate, já que sua primeira canção foi gravada em 1929 por Francisco Alves (de nome “Que Infeliz Sorte!”), Cartola finalmente alcançou o sucesso, tendo sido gravado por nomes como Nara Leão, Elis Regina, Beth Carvalho, Clara Nunes, Alcione, Cazuza e Jair Rodrigues, entre outros. “Eu definiria o Cartola como um dos grandes compositores brasileiros, muito importante não só para o samba, mas para a música brasileira em geral. Ele é um dos poucos compositores que possui uma assinatura musical, ou seja, você reconhece as músicas dele por meio da linha melódica. Isso, por si só, já é de uma genialidade muito grande e representa a autenticidade e a qualidade do compositor”, elogia Teresa.
Encontro. Versada no samba, Teresa lançou seu primeiro disco em 2002, antes de dedicar trabalhos a Paulinho da Viola e, mais recentemente, receber um elogio público de Caetano Veloso sobre seu novo espetáculo. O baiano, inclusive, passou a acompanhá-la em turnê que passou pela Europa, Ásia e América do Norte, justamente intitulada “Caetano Apresenta Teresa”. O ponto de partida, como não poderia deixar de ser, foi o encanto do músico diante do espetáculo.
Sobre a homenagem feita por ela a Cartola, Caetano escreveu: “A tranquilidade com que cada acorde escolhido sugere a entrada da voz de Teresa refina a alma do ouvinte. E Teresa cresce a cada melodia, a cada palavra, a cada segundo. Todos os brasileiros deveriam ver e ouvir”.
Teresa devolve: “Receber elogio é difícil, principalmente para uma pessoa tímida como eu. Eu fiquei muito feliz, encantada e emocionada. Ter a oportunidade de me apresentar em tantos lugares do mundo ao lado do Caetano foi uma surpresa muito boa, nem nos meus maiores sonhos eu esperava isso.
Esse encontro me deixou muito motivada e me deu uma força muito grande para trabalhar”, sustenta a cantora, que ao lado do baiano se apresentou em Paris, Lisboa, Seul, Tóquio e Nova York.
Aliás, Teresa já alicerça seus próximos passos: “Antes de gravar o disco do Cartola, eu tinha o projeto de lançar um álbum de músicas inéditas minhas. Mas vou esperar a turnê atual acabar para, depois, definir o que fazer com esse projeto. Essa turnê tem sido maravilhosa, é uma experiência muito boa”. A ideia é a gravação de um álbum totalmente autoral em 2018.
Repertório
Trajetória
Teresa Cristina exalta os caminhos do samba na MPB
Para Teresa Cristina, cantar não foi uma questão de escolha. Ela acredita que o dom tenha definido seu destino. “Minha primeira lembrança musical, na verdade, são duas: Roberto Carlos cantando ‘Como 2 e 2’ e Chico Buarque cantando ‘Minha História’. Em 1998, após iniciar uma pesquisa sobre a obra do Candeia foi que eu virei cantora, mas não decidi nada”, assegura.
Na época, ela estava com 30 anos, mas o primeiro contato com o universo de Candeia, autor de canções como “Luz da Inspiração” e “Preciso me encontrar” – por sinal, também regravada por Cartola – aconteceu quando ela tinha ainda 8 anos, por intermédio do pai. Outra tradição legada foi a das escolas de samba. Portelense de coração, esse ano Teresa comemorou a vitória da agremiação no Carnaval do Rio de Janeiro. “Foi um sonho realizado. A Portela sempre foi gigante. A maior campeã do Carnaval. Uma pena que a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) tenha tentado tirar o brilho dessa conquista”, reclama. A associação decidiu dividir o prêmio conquistado pela Portela com a Mocidade Independente, após a escola de Padre Miguel reclamar que uma nota havia sido dada para a então única campeã do ano com uma justificativa considerada equivocada. A Portela protestou, mas a decisão foi mantida
FOTO: canal bis/divulgação |
Cantora se apresentou com Caetano Veloso em turnê pela Europa |
Gigante. Apesar do imbróglio, Teresa segue enaltecendo o samba e a presença da música brasileira em outros países. “A música brasileira é gigante. Acabo de voltar de uma turnê de um mês com o Caetano Veloso pelo Europa e digo sem pestanejar que a nossa música é muito respeitada”, garante.
A cantora pôde comprovar esse reconhecimento na pele através da apreensão, por parte do público, tanto das músicas de Cartola quanto das de Caetano. Da lavra do mentor e ícone tropicalista, canções como “Tigresa” e “Odara”. “Samba e MPB, na verdade, são caminhos que se entrecruzam, um leva ao outro”, define Teresa, antes de desfiar elogios entusiasmados para a capital mineira. “Há muito eu queria levar esse show em que canto Cartola para BH, mas, por um motivo ou outro, não conseguia. E olha que eu sou ansiosa, aí já viu, né? Eu amo BH, sempre sou muito feliz nessa cidade que ama o samba de um jeito especial”, enaltece.
A expectativa de Teresa para o presente é total, mas ela também não se esquece do futuro, para o qual mira com olhos precavidos. “A maneira de consumir e produzir música mudou. Mas algumas permanecem, não mudam. As plataformas digitais são importantes porque elas representam o futuro. Porém, o artista, que é um autor, precisa ver a cor do dinheiro, e ainda existe muita névoa sobre esse assunto”, critica a cantora.
Discografia
2002 “A Música de Paulinho da Viola”
2004 “A Vida Me Fez Assim”
2005 “O Mundo É Meu Lugar” (ao vivo)
2007 “Delicada”
2008 “Três Meninas do Brasil” (com Jussara Silveira e Rita Ribeiro)
2010 “Melhor Assim”
2012 “Teresa Cristina+Os Outros=Roberto Carlos” (com Os Outros)
2016 “Teresa Cristina Canta Cartola”
Agenda
O QUÊ. Show “Teresa Cristina Canta Cartola”
QUANDO. Nesta sexta-feira (26), às 21h
ONDE. Teatro Bradesco (rua da Bahia, 2.244, Lourdes, 3516-1360)
Quanto. R$ 130 (inteira)