Eles atravessavam a rua, quando, no meio do caminho, foram surpreendidos por aplausos e várias frases que sequer sabiam o que queriam dizer. Na língua universal da empolgação, porém, os abraços e os sorrisos eram para eles um bom sinal. Das muitas palavras ditas, o casal conseguiu entender apenas “André” e “filme Quintal”, o suficiente para que a emoção transbordasse no rosto deles quando me contavam o episódio.
A rua era em Cannes, na França, mas o casal é de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde conversei com eles. Quando cheguei na casa modesta, no bairro Amazonas, fui recebida no quintal, exatamente a parte da casa que levou Maria José Novais de Oliveira, 68, e Norberto Francisco de Oliveira, 63, para Cannes. É que os dois foram personagens do curta-metragem “Quintal”, dirigido pelo filho deles, o cineasta André Novais, selecionado para a “Quinzena dos Realizadores”, mostra paralela ao Festival de Cinema de Cannes, que terminou no último domingo.
A reação dos fãs estrangeiros foi um reconhecimento da atuação no curta, exibido por lá no último dia 21. “Nós ficamos até olhando para trás para vermos se era com a gente mesmo. Imagina ser aplaudido em Cannes?”, ainda se surpreende Norberto Oliveira. Quando terminaram de atravessar a rua, eles chegaram ao destino: a praia. “Ai nós tivemos que sentar e dar um tempo para conseguir digerir o que havia acontecido. Foi uma coisa emocionante, acho que nunca mais vamos passar por algo assim”, emociona-se Maria.
Quando começamos a entrevista, os dois se sentaram no sofá e entrelaçaram as mãos, em um misto de amor, carinho e sintonia. Eles afirmam, com orgulho, que vão fazer 40 anos de casados, isso sem contar os dois anos de amizade e os três de namoro. Como comemoração, não havia presente melhor do que a viagem para Cannes, com direito a tapete vermelho e reconhecimento.
“Até agora não caiu a ficha que passamos esses dias na Europa. Que as pessoas nos reconheceram e que tudo isso aconteceu”, orgulha-se Maria. Para eles, a emoção de se ver no telão do importante festival de cinema é até difícil de ser explicada. “As pessoas ficavam olhando para a gente depois do filme e ainda demos entrevista para vários jornalistas de todo o mundo”, se emociona Oliveira.
Demonstrando já estarem acostumados com entrevistas, mas sem perder a simplicidade e a bondade, o casal logo avisa que se precisar eles falam novamente e tiram quantas fotos forem necessárias. Eles nunca imaginaram que um dia teriam tal reconhecimento, já que não tinham planos de se tornarem atores. Muito menos que tirariam os pés do Brasil. Além de Cannes, os dois ainda realizaram um sonho antigo de conhecer Paris, cidade onde eles ficaram por alguns dias.
Veja o vídeo com o casal contando um pouco da experiência:
“O André me levou para assistir ‘Meia Noite em Paris’ (do diretor Woody Allen). Foi um filme marcante. Eu fiquei sonhando em conhecer a cidade. Quando chegamos lá, eu fiquei pensando que todas as pontes fossem a ponte que aparece no fim do filme, porque elas são todas iguais. Foi uma aventura”, brinca Maria.
Pela primeira vez saindo do Brasil, eles ficaram encantados com a França. “Quando eu vi a torre Eiffel, só esqueci de uma coisa: fechar a boca”, diverte-se Maria. Já Oliveira gostou mesmo dos shows de rua. “Em cada esquina tinha uma apresentação e eu voltei com alguns CDs dos artistas de lá”, conta.
Sem saber falar inglês ou francês, eles pediram ao filho que ensinasse a eles algumas palavras na língua de Flaubert e saíram pela cidade arriscando o “bonjour” e semeando simpatia com os estrangeiros. No entanto, na maior parte dos oito dias que passaram entre Paris e Cannes, eles nem precisavam das palavras. Foram as imagens e os sons que mais mexeram com a emoção dos dois.
“Quando chegamos ao teatro para exibição do filme, foi muito emocionante. Ver aquele tapete vermelho e pisar nele. Aquele monte de gente importante, cineastas do mundo todo, uma emoção enorme. Nos sentimos atores importantes. E os aplausos para o filme também nos deixaram com uma alegria enorme. Isso tudo é culpa do André que nos colocou no filme dele”, orgulha-se Oliveira.
Essa é a segunda vez que os pais do cineasta participam de um trabalho do filho. No ano passado, os dois atuaram junto do diretor e do irmão dele, Renato Novais, no longa-metragem “Ela Volta na Quinta”. A história se passa na casa dos pais do diretor, e a trama é sobre um casal de idosos que, em meio a uma crise, atrapalha os filhos a saírem de casa.
Embora se passe com os personagens da família, usando inclusive seus nomes reais, o longa não é documental. Aliás, essa mistura entre o cotidiano e o surreal também é a base para o curta “Quintal”, que levou o casal a Cannes.
O quintal de Contagem ficou conhecido por pessoas de várias partes do mundo e as lembranças da França ficaram guardadas na memória do casal. “Foi uma coisa que não vou esquecer jamais”, enfatiza Maria. “Eu vou guardar a experiência para o resto da minha vida”, complementa Oliveira.