Em 1987, quando lançou “Tom Jobim: Os Anos 60”, Joyce, 69, recebeu do Maestro Soberano uma carta em que ele desfiava elogios à cantora e compositora. “Você é a luz que banhou a velha garagem escura onde um menino encontrou um velho piano desafinado e sonhou com as cores nos olhos da Joyce”, escreveu Tom.
Os dois se conheceram quando Joyce iniciava a carreira musical, aos 19 anos. A cantora lembra de Tom mostrando a ela “Águas de Março”, que ele ainda estava compondo. “Eu, grávida de Ana, e ele cantando para mim a parte que dizia: ‘é a promessa de vida no teu coração’. Nunca esqueci disso”.
Toquinho, 70, que foi parceiro de Tom na turnê que reuniu Vinicius de Moraes e Miúcha, e que resultou no antológico álbum gravado no Canecão (RJ), em 1977, diz que quando a música começou a entrar na sua vida, mesmo antes da Bossa Nova, Tom já vinha incorporado nela em canções que ele ouvia nas vozes de Agostinho dos Santos, Maysa, Dick Farney, Lúcio Alves. “Toda a minha geração aprendeu com Tom. Sua música é genial e supervalorizada no mundo todo”, destaca.
Já João Bosco, 70, conta que o primeiro compacto que lançou, um disco de bolso, que vinha encartado numa edição de “O Pasquim” (semanário de protesto contra a ditadura na década de 70), trazia de um lado “Águas de Março”, cantada por Tom, e do outro “Agnus Sei”, parceria dele com Aldir Blanc. O disco ganhou o nome de “O Tom de Jobim e o Tal de João Bosco”. “‘Águas de Março são as minhas águas de batismo”, define o mineiro de Ponte Nova, que chama o Maestro Soberano de “padrinho musical”.
Nesta sexta-feira (24), a partir das 21h, os três sobem ao palco do Palácio das Artes para celebrar o Maestro Soberano, que este ano completaria 90 anos. Mas as homenagens a Tom neste fim de semana, na cidade, não param aí. No domingo (26), no mesmo local e com início às 20h, será a vez da portuguesa Carminho apresentar o repertório que gravou no CD “Carminho canta Tom Jobim”, lançado pela Digipack, em 2016, com distribuição da Biscoito Fino no Brasil e disponível também nas plataformas digitais.
Trio. No espetáculo que reúne Joyce, Toquinho e Bosco cada um apresenta a própria seleção de músicas, antes de interpretarem juntos “Chega de Saudade”, no final. Joyce, que gravou cerca de 40 canções de Tom e dedicou três álbuns à obra do compositor carioca, vai cantar, entre outras, “Retrato em Branco e Preto”, “A Felicidade”, “Ela É Carioca” e “O Morro Não Tem Vez”.
Projeto. A ideia do espetáculo surgiu, segundo Bosco, para “relembrar as duas décadas de ausência de Tom”, morto em 1994. A primeira apresentação aconteceu no Teatro Castro Alves, em Salvador (BA), há pouco mais de dois anos, e contava ainda com o maestro Jacques Morelenbaum, que não poderá participar da atual apresentação por motivo de agenda.
Bosco, que vai cantar “Águas de Março”, “Lígia” e “Desafinado”, entre outras, lembra que o compacto que “dividiu” com Tom, nos anos 70, fez história na música brasileira por resgatar para o grande público a figura do Maestro Soberano, que à época atravessava momento de pouco reconhecimento e teria, inclusive, “composto a canção deprimido”, segundo depoimento de Nelson Motta. Além do mais, o disco cumpria o papel de revelar ao mundo toda a inventividade de um então desconhecido e virtuoso músico (no caso Bosco).
Além-mar. A primeira vez que ouviu Tom, Carminho “nem sabia de quem se tratava”. Ela “tinha 4 ou 5 anos e estava assistindo as novelas brasileiras que passavam em Portugal”, recorda. A música, porém, “marcou profundamente o meu coração”.
A canção era “Wave”, também conhecida como “Vou Te Contar” e, não por acaso, integra tanto o disco quanto o espetáculo da portuguesa. O show, que apresenta “essencialmente o repertório do CD”, combina ainda alguns fados. Entre as canções, “Inútil Paisagem”, “Luiza” e “Sabiá”, que no álbum tem a participação de Fernanda Montenegro. “Escolhi músicas que trazem versos cujos tempos verbais e modos de escrita se assemelham aos do português que falamos em Portugal; há diferenças de sotaque, e para mim não seria orgânico se fosse de outra maneira. Também procurei assimilar a diversidade de parceiros que teve o Tom”, diz Carminho.
Agenda
O quê. “Homenagem a Tom Jobim” com Joyce, Toquinho e João Bosco
Onde. Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, centro, 3236-7400)
Quando. Nesta sexta-feira (24), às 21h
Quanto. De R$ 200 (plateia 1, inteira) a R$ 80 (plateia superior, meia-entrada)
Agenda
O quê. Carminho canta Tom Jobim
Onde. Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, centro, 3236-7400)
Quando. Domingo (26), às 20h
Quanto. De R$ 200 (plateia 1, inteira) a R$60 (plateia superior, meia-entrada)
Homenagens
Obra de Tom Jobim em alta
Além de espetáculos, álbuns com o repertório do Maestro Soberano são lançados para celebrar os seus 90 anos
FOTO: Arquivo Pessoal / Divulgação |
Reconhecimento. Tom Jobim tem a sua música difundida no mundo todo com gravações históricas |
Tom Jobim já foi regravado de Sylvia Telles a Jards Macalé, de Frank Sinatra a Chitãozinho & Xororó, passando por Gal Costa, Elis Regina, Caetano Veloso, Maria Bethânia, e outros. Para completar, assinou parcerias com Dolores Duran, Chico Buarque, Billy Blanco e, preponderantemente, Vinicius de Moraes, além de musicar poemas de Fernando Pessoa e Manuel Bandeira.
Só neste ano, Danilo Caymmi, Fernanda Cunha e Sentidor lançaram álbuns em homenagem ao maestro. “Usufruir da música de Tom é compartilhar de sua inteligência incomum, repleta de ironias e sátiras observando com lucidez lúdica defeitos ou vícios de uma época. Conviver com ele era se alimentar de uma extensa e abrangente cultura”, enaltece Toquinho, que também faz questão de ressaltar o “entrosamento de palco com João Bosco” nos muitos shows que já fizeram juntos.
Tampouco é a estreia de Toquinho na companhia de Joyce, que se apresenta pela primeira vez frente à plateia com Bosco. No entanto, ainda não há planos dos três de registrarem o espetáculo em CD ou DVD. “Já passamos por várias capitais do país e certamente continuaremos com essa turnê de grande sucesso. Mais para frente, quem sabe gravamos?”, conjectura Toquinho.
Mundial. A aproximação de Joyce com Tom começou cedo, literalmente, e não apenas na música. Aos 19 anos ela já era amiga do filho do maestro, o também músico Paulo Jobim. “Foi um convívio intenso que durou anos. Tive o privilégio de assistir ao processo de finalização da música ‘Águas de Março’ junto de alguns amigos”, orgulha-se.
Aliás, Paulo foi o responsável pela direção musical e arranjos do disco em que Carminho canta Jobim. “Paulo me trouxe um livro com todas as composições, uma mais deslumbrante que a outra. Tom é um dos compositores mais conhecidos do mundo. ‘Garota de Ipanema’ é a segunda música mais executada na história”, afiança a portuguesa, cujas palavras puderam ser comprovadas no dia a dia.
“A América distribui música para o planeta, que foi todo influenciado pela Bossa Nova. O meu disco foi bem recebido e por onde passo o espetáculo tem sido um sucesso”, assegura ela, que destaca o fato de “abranger um público que passou a conhecer melhor a obra de Tom”. Na agenda, apresentações em Paris, Londres, Colônia, Lisboa e outras cidades mundo afora.
Moderno. Na contracapa do primeiro LP de João Bosco, lançado em 1973, as palavras de apresentação trazem a assinatura de Tom. Quando o Maestro Soberano completou 60 anos, o Prêmio da Lei Sarney – que à época contemplava nomes da música e outras artes – foi entregue por Bosco. Ao longo da carreira ele não se cansou de interpretar canções que também estarão no espetáculo, como “Água de Beber”, “Desafinado” e “Lígia”. “Tom é o Brasil que deu certo, estar ao seu lado é participar do que de melhor foi feito em toda a cultura”, garante. Para Carminho, que convidou Maria Bethânia, Marisa Monte e Chico Buarque a participarem de seu álbum, “a música de Tom traz peças complexas que chegam diretamente ao coração das pessoas, pois transitam com habilidade entre a tradição e o moderno”, e explica a escolha de seus convidados especiais. “Com essas pessoas aprendi a profundidade da música de Tom”, exalta.
Que Toquinho define em uma única palavra: “Brilhante”.