Em 2009, o diretor Eugenio Puppo (“Ozualdo Candeias e o Cinema”) foi procurado pela advogada Marina Dias, na época diretora do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Eventualmente, ela se tornaria presidente do órgão, que trabalha diariamente com as mazelas e insuficiências da Justiça criminal brasileira, e o cineasta acompanhou de perto esse esforço.
O resultado é o documentário “Sem Pena”, que estreia hoje após ganhar o prêmio de melhor filme segundo o júri popular no último festival de Brasília. No longa, Puppo conversa com especialistas, profissionais e detentos sobre um sistema decrépito, menos interessado em corrigir e recuperar do que em apresentar números de prisões e condenações que agradem aos relatórios de segurança pública.
Esse cenário é construído, em grande parte, por histórias de vítimas dessa desorganização, que o cineasta conheceu após acompanhar um dos mutirões carcerários do IDDD. “Fiquei chocado que muitos dos detentos foram presos por terem cometido pequenos furtos ou detidos em circunstâncias duvidosas, alguns sem provas consistentes que justificasse sua prisão”, explica o diretor.
Para desindividualizar opiniões e histórias, e mostrar as falas como sintomas de uma mesma situação endêmica, a decisão narrativa que mais chama atenção em “Sem Pena” é a de não mostrar o rosto de nenhum entrevistado, cobrindo as falas com imagens. “Deixamos todos no mesmo patamar o que favorece o entendimento do pensamento de cada personagem. O que importa é o que se diz e não quem diz”, justifica o cineasta.
O único momento que quebra esse formato é o julgamento de instrução de uma senhora acusada de tráfico de drogas após a invasão do cortiço onde mora pela polícia. Assim como nas falas dos entrevistados, Puppo não hesita em deixar a cena se alongar, tornando-se mais pungente e incômoda a cada nova informação e revelando, como numa peça de teatro brechtiana, a desconexão entre o poder judiciário e a realidade social brasileira. “A cena entra como uma síntese do filme, uma materialização dos temas que ele aborda”, conta.
“Sem Pena” termina com um depoimento bastante contundente, descrevendo um cenário apocalíptico, e Puppo afirma não ter a pretensão de apresentar uma alternativa a ele. “Nossa visão é a de que o sistema carcerário chegou a um limite. O grau de violência institucionalizada e a cultura prisional que se reproduz nesse ambiente é algo absolutamente destrutivo para o ser humano. A sociedade brasileira não pode imaginar o que se está alimentando nessas masmorras escuras, úmidas e epidêmicas que estamos reproduzindo”, diagnostica.
Outras estreias
Além de “Sem Pena”, outro documentário que chega no cine Belas Artes é “A História do Homem Henry Sobel”. O filme conta a história do famoso rabino norte-americano radicado no Brasil há mais de 40 anos.
Também no Belas estreia outra história real, mas ficcionalizada: “Bem-vindo a Nova York” reimagina o escândalo do diretor do FMI Dominique Strauss-Kahn, acusado de abusar sexualmente da camareira de seu hotel. O longa é estrelado por Gérard Depardieu e dirigido por Abel Ferrara.
Por fim, a Downtown tenta outro sucesso estrelado por Leandro Hassum com “O Candidato Honesto”, sátira eleitoral que copia a premissa de “O Mentiroso”.