Martinho da Vila, que aos 79 anos vem fazendo história no compasso do samba, lança seu 16º livro. Trata-se de “Conversas Cariocas”, seu primeiro livro de crônicas, publicado pela editora Malê. A obra nasce de uma conversa descontraída de Martinho com Tom Farias, seu amigo jornalista e escritor, que prepara uma biografia de Carolina Maria de Jesus (autora de “Quarto de Despejo”. O papo girava em torno de temas do cotidiano, até que Tom, incisivo, perguntou se Martinho não teria nada para publicar, depois de seu romance “Barras, Vilas e Amores”, de 2016.
De Cléo, companheira do músico, veio a lembrança de alguns recortes de jornais, colunas do artista publicadas aos domingos no jornal carioca “O Dia”, entre 2010 e 2012. Na apresentação do trabalho, Martinho faz referências a Artur da Távola, pseudônimo do jornalista carioca, também escritor, advogado e político, Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros. Dizia ele: “a crônica é o samba da literatura”. “Creio que o Paulo Alberto, o nosso Arthur da Távola, falou isto porque o samba pode ser uma crônica resumida”, conta Martinho.
Escrever, para ele, não é um ato prazeroso. “Demoro muito até chegar ao resultado final, fico com o tema martelando a cabeça. Enquanto o livro não chega a sua mão, você não relaxa. Meu grande prazer é ouvir alguém dizer que leu meu livro até o fim. E isso, às vezes, acontece com pessoas que nunca tinham lido nada”, conta.
“Conversas Cariocas” traz, em suas 248 páginas, 92 textos que transitam pelo universo musical de Martinho (os enredos de sua escola de samba, a Vila Isabel, estão lá) e por histórias que falam de amigos, de seu time de futebol (o Vasco), de literatura, bebida, religião, trabalho e “palpites sobre tudo o que vier à cabeça”, como aponta o escritor. “Minhas crônicas refletem o meu olhar sobre a cidade do Rio de Janeiro, seus lugares, sua gente e sua cultura”, responde. “A política faz parte de nossa vida.
Não devemos pensar politicamente para criar, que é basicamente o que procuro fazer”, complementa o musico.
Já sobre o momento atual do país, Martinho segue bamba. “A esperança de melhora do Brasil em mim não morre. Com relação ao temor, eu não tenho. A democracia está doente, mas não em estado terminal”, acredita o compositor de “Disritmia”
A revisão dos textos de “Conversas Cariocas” foi realizada mantendo o espírito da época da publicação original, sem muitas atualizações ou corte de referências, apenas adaptando ao novo formato que eles tomaram. “Em algumas crônicas, fiz revisões porque elas agora fazem parte de um livro e não preciso respeitar o espaço definido pelo jornal onde foram publicadas, no caso o jornal “O Dia”, conta Martinho.
Indo além do livro e refletindo sobre sua obra, em especial na música, pergunto como Martinho revisa suas criações, algumas delas já apontadas como machistas, por exemplo, como as letras de “Mulheres” (samba do mineiro Toninho Geraes que ele gravou) ou “Você Não Passa de Uma Mulher”, por exemplo. “Quanto às críticas, elas também merecem ser criticadas”, afirma.
Mercado editorial. Para apresentar aos leitores seu primeiro livro de crônicas, Martinho apostou na recente editora Malê, que se dedica à publicação e à divulgação de obras produzidas por escritores negros. Com a Malê, que está a menos de um ano no mercado, estão nomes como Conceição Evaristo, Rosane Borges, Cuti, Cristiane Sobral, Muniz Sodré e o Marcos Antônio Alexandre. “Os autores negros não entram em todas as editoras, acredito que pela temática e pela forma de suas escritas. Nas pequenas editoras, o problema é a distribuição. Além do alcance, esses autores não são convidados para os grandes eventos de literatura que são possibilidades de divulgação”, aponta Vagner Amaro, um dos fundadores da Malê.
Com o nome que carrega, essa não seria exatamente a realidade de Martinho, que encontra, sem dificuldades, espaço no mercado editorial.
Ainda assim, a escolha de Martinho revela uma aposta por outras direções. “Confiei o livro à Malê porque é uma editora nova, que já fez edições importantes e bem cuidadas. Meu livro é uma prova do que estou dizendo”, comenta. (com agência Globo)
Celebração
Da Vila não está devagarinho
Prestes a completar 80 anos, em 2018, o cantor e compositor prepara novos discos e será tema de escola de samba
Além do lançamento do livro “Conversas Cariocas”, que contempla um conjunto de crônicas, Martinho da Vila, 79, prepara outras novidades para os apreciadores também de suas canções. Entre elas, um novo disco que homenageia a trajetória de sua escola de samba Vila Isabel. “Eu estou terminando o álbum que vai sair neste ano”, garante o cantor, compositor e escritor.
Em 2018, Martinho vai completar 80 anos, que serão comemorados em fevereiro com muitas celebrações. Parte delas serão mobilizadas por ele mesmo e a outra pelos admiradores do seu trabalho, como a escola de samba paulista Unidos do Peruche, que elegeu o artista como enredo do desfile do próximo ano.
“Eu tenho uns amigos que estão organizando algumas homenagens, mas eu não participo muito disso porque não tem muita graça você organizar a sua própria homenagem. Mas eu vou fazer um disco comemorativo chamado ‘Martinho 8.0’”, afirma o pai de Mart’nália, que deverá também ter alguns dos seus 16 livros relançados em breve. “Eles vão sair com outra capa e com um novo projeto gráfico”, conta.
Rock in Rio. No segundo semestre, Martinho também vai se apresentar no Rock in Rio. Ele é uma das atrações confirmadas para se apresentar no Palco Sunset. A programação batizada Salve o Samba! vai trazer, além do músico, Jorge Aragão, Alcione, Roberta Sá, Mart’nália e o rapper Criolo. Ao comentar sobre a difusão do gênero, num contexto em que o funk surge como uma força grande, principalmente entre os artistas mais jovens, ele não percebe perdas e acredita na boa convivência entre os estilos.
“São ritmos da mesma família. O funk transita na mesa área que o samba e não há um choque entre eles. Inclusive, todos esses jovens do funk, do rock e do reggae foram criados ouvindo samba, sabem tudo e tem amor por ele. O Criolo, por exemplo, gravou agora um disco que é de samba. Então, a tendência é eles virem para o samba”, reflete.
Carnaval. O seu aniversário, em 2018, será comemorado durante o Carnaval, o que para Martinho é assunto sério. Em 2017, aliás, aconteceu um fato inusitado, com duas escolas de samba do Rio de Janeiro, a Portela e a Mocidade Independente de Padre Miguel dividindo o título de campeãs, após a segunda entrar com um recurso. Para ele, isso não é o ideal, embora entenda as razões da Mocidade.
“Eu não achei isso muito legal porque o resultado da apuração dos votos é que nem o de um jogo de futebol e não muda. Se o juiz apitou que é gol depois não tem volta. Mas a Mocidade, ao mesmo tempo, tem sua razão porque o erro não foi dos juízes, mas da liga que encaminhou as informações erradas”, declara.
Estudos. Além da rotina como artista, ele segue com os estudos na faculdade de relações internacionais, o que, de acordo com ele tem estimulado outras pessoas com mais de 50 anos a fazer o mesmo. “Volta e meia eu escuto alguém dizer: ‘poxa Martinho, eu também tinha vontade de fazer uma faculdade, mas ainda não tive coragem’. Então, acho que a minha história já teve uma função positiva”, relata.
Embora a foto dele na sala de aula viralizou na internet somente há cerca de dois meses, ele conta que já está matriculado no sexto período do curso. A decisão de voltar a estudar, de foi motivada pela objetivo de compreender melhor a trajetória de um papel que o sambista já exerce.
“Eu fui para a universidade porque eu sou embaixador da boa vontade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e lá eu tenho uma função diplomática. Então, essa prática relacional é algo que já faço há muito tempo. Mas como eu queria entender melhor a história das relações internacionais e a sua importância, resolvi voltar par a universidade”, explica ele. (Carlos Andrei Siquara)