Em vez de textos explicativos com informações biográficas sobre Leonilson, Mira Schendel, Lygia Clark, Regina Silveira, Geraldo de Barros e Frans Krajcberg, a exposição “Arte à Primeira Vista: Páginas de Uma História” traz frases em que cada um desses nomes revela aspectos do seu processo criativo. Aberta hoje na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes, a mostra, de acordo com a curadora Valquíria Prates, busca estimular no visitante uma relação mais direta com a poética desenvolvida por cada artista.
“Apesar de ser um projeto que visa ampliar o acesso das crianças à arte, a ideia não é ficar explicando as coisas, com textos críticos, por exemplo. Há citações de falas dos próprios artistas. Nos fragmentos eles dão pistas que nos levam a perceber as obras de outras maneiras. Por exemplo, Regina Silveira comenta a relação dela com o espaço. Isso é relevante para as pessoas notarem como ela chega à instalação ‘Mundo Admirabilis’, exposta aqui”, observa ela.
Estudiosa de um segmento até então pouco explorado no país, os livros de arte para crianças, Prates recorda como essa pesquisa contribuiu para guiar o desenho desse projeto. Concebido junto com Valquíria Sant’Anna, a mostra guarda afinidades com a coleção de títulos iniciada em 2005, por exemplo, a tentativa de criar estratégias de leitura a partir da linguagem artística dos retratados.
“Foi assim que nós chegamos ao primeiro livro que é inspirado no universo de Lygia Clark. As páginas permitem dobraduras semelhantes àquelas que a artista apresenta na série ‘Bichos’. O título tenta reproduzir o gesto dela, que colocou a decisão do que a obra deve ser nas mãos de quem a manipula”, relata Sant’Anna.
O ponto de contato entre os livros da coleção, que já apresentou a arte de Frans Krajcberg, Leonilson e neste ano, Mira Schendel, com a mostra, não está ligado apenas à seleção, que frisa obras desses mesmos nomes. Na galeria, estão presentes também dispositivos cujo funcionamento são inspirados nos recursos aplicados nos livros.
“Quando vemos, por exemplo, a maneira como Mira Schendel lida com a letra e o espaço em torno, nas suas criações, estamos diante de escolhas. Na mostra e nos livros tentamos provocar a sensibilidade para a percepção dessas relações. Na primeira, isso acontece por meio de uma espécie de jogo com fios e letras. Já no livro, nós usamos papel vegetal para provocar essa reflexão e frisar a importância das transparências no trabalho da artista”, explica Santa’Anna, que sublinha o cuidado com a possibilidade de uma leitura criativa.
“O leitor, ao manipular as páginas, consegue ver as letras separadas ou produzindo palavras quando juntas. Isso se relaciona ao próprio interesse de Mira em ressaltar a letra como imagem, para além de sua função simbólica e produtora de sentido”, acrescenta.
Embora o foco inicial da exposição sejam as crianças, pessoas de várias idades são esperadas no espaço que expõe um acervo importante de cada artista. Ao incentivar o contato com a arte contemporânea, Prates frisa que a visão dessa vertente como algo de difícil compreensão não encontra reverberação ali.
“Crianças jamais dizem isso porque elas conhecem o mundo por meio de experiências e, portanto, não chegam a uma mostra com ideias pré-concebidas, como acontecem com os adultos. São eles que dificultam esse processo porque normalmente olham para uma obra a partir de uma perspectiva de arte ligada a unicidade e beleza. É importante se libertar desses preconceitos”, conclui.