No mesmo dia em que o Forumdoc começa na capital, o cine 104 estreia um dos trabalhos mais originais produzidos na fronteira entre ficção e documentário no Brasil em 2014. Depois de passar por festivais em Buenos Aires, Edinburgo, Las Palmas e ganhar o prêmio de melhor som no último Paulínia Film Festival, “Castanha” traz a Belo Horizonte a história do protagonista do título, um gaúcho de 50 anos que trabalha como ator durante o dia e complementa a renda como travesti à noite.
Estreia em longa-metragem do diretor Davi Pretto, o filme acompanha esse cotidiano que se divide entre essa oposição dia/noite e as conversas com a mãe Celina sobre as dificuldades da vida e da família. E o instigante da produção é que, ao mesmo tempo que essas interações entre os dois personagens são claramente documentais e confessionais, o longa também lança mão de uma trama envolvendo um primo viciado que, por mais que seja algo que Castanha realmente tenha enfrentado, traz cenas claramente encenadas.
E não é por acaso que o protagonista de “Castanha” é um ator. O que Pretto quer é provocar o público o tempo todo, questionando quando o personagem está encenando mais. Quando faz um teste ou apresenta uma peça no palco. Quando faz seu número no clube gay à noite. Ou quando conversa com a mãe e transforma em ficção encenada para a câmera sua vida familiar.
A resposta é que é tudo uma grande encenação porque o que “Castanha” revela é que todos usamos máscaras e personagens diferentes para situações diferentes da vida. É por isso que o longa tem vários planos do protagonista se maquiando no espelho, construindo cuidadosamente a persona que vai usar a seguir.
Além desse mérito da encenação, o longa é uma realização técnica impressionante. A fotografia explora o alto poder de captação do digital para filmar belíssimas cenas à noite com pouca luz, que ressaltam os recônditos da intimidade realista em contraste paradoxal com as cenas iluminadas da peça de teatro durante o dia. E “Castanha” ganhou o prêmio de melhor som em Paulínia, pelos momentos em que o protagonista e sua mãe conversam enquanto a TV acompanha as manifestações de junho de 2013 ao fundo, revelando um microcosmo contemporâneo de uma transformação social maior. É o poder que fez “Castanha” concorrer como ficção e documentário em festivais diferentes, e que faz o longa ressoar em tantos gêneros e camadas de leitura. (DO)
Outras estreias
São poucas as estreias nesta semana simplesmente porque “Jogos Vorazes: A Esperança – Parte I” chega no circuito ocupando nada menos que metade do parque exibidor nacional. O longa é a primeira metade do capítulo final da saga da heroína Katniss Everdeen, que prepara a revolução contra a tirania da Capital.
Para quem estiver se sentindo menos revolucionário, o Belas Artes traz duas alternativas com mestres do cinema francês. A primeira é “Amar, Beber e Cantar”, último longa do mestre Alain Resnais. E a segunda é o romance “Uma Promessa”, de Patrice Leconte, estrelado por Rebecca Hall.