Mudando de escola a cada ano para evitar as violências e os constrangimentos, Julia Katharine passou parte de sua adolescência em casa, vendo filmes das extintas locadoras. “Me apaixonei pelo cinema muito jovem, tinha aproximadamente 12 anos. Consumia filmes, lia sobre cinema europeu e, principalmente, estadunidense, que era o que eu tinha mais acesso. Depois, fui descobrindo a produção brasileira. E tinha esse sonho de trabalhar com cinema”, conta a atriz.
O primeiro contato com o set foi em uma figuração que acabou se tornando uma cena improvisada em “Crime Delicado”, do diretor Beto Brant, nos anos 2000. “Depois a vida me levou para o Japão, de onde voltei deprimida. Fiquei quatro anos sem contato social, vendo filmes e mais filmes, de 2008 a 2013. Foi quando Gustavo Vinagre me reencontrou nas redes sociais”, relembra ela.
Julia e o hoje diretor Gustavo Vinagre se conheceram no também extinto portal Mix Brasil. Ele era estagiário, e Julia, secretária. “Ele, então, me chamou para fazer cinema como atriz”, conta.
A parceria rendeu, logo no primeiro trabalho, o prêmio de atriz coadjuvante pela atuação em “Os Cuidados que se Tem com o Cuidado que os Outros Devem Ter Consigo Mesmos”, no Guarnicê Festival de Cinema, no Maranhão. A dupla ainda fez outros dois curtas, “Medo Medo Medo” e “Filme-Catástrofe”, ainda inédito.
Em 2017, Julia filmou também “Desterro”, de Maria Clara Escobar. “Ela me deu esse presente que foi fazer uma mulher cis (pessoa que se identifica com o gênero do nascimento)”, conta Julia. Os exemplos de pessoas trans (pessoas que não se identificam com o gênero de nascimento) no papel de personagens cis ainda são poucos.
Ela lembra, por exemplo, a atriz Maria Clara Spinelli, na novela de Gloria Perez “A Força do Querer”. “Mas são raros. Eu ansiava por isso. Me senti legitimada como mulher e a filmagem foi muito tranquila. A criança que interpreta meu filho foi receptiva, não questionou nada. Tudo de forma naturalizada e muito bonita”, comenta a atriz.
E os planos não param. Em março desse ano, Julia começa a dirigir um curta, “Tea for Two”, seu primeiro trabalho na direção. Ela também vai atuar e assinar o roteiro. “Estou empolgada e feliz e quero que ele tenha uma vida bacana. Estou contando com ajuda de amigos para que ele se realize e espero que outras pessoas trans sejam contempladas por editais, como eu fui pelo edital da Diversidade, da SPCine, o que me deu a possibilidade de realizar esse curta”, enfatiza.
Na narrativa, ela explora uma situação que ela mesma já viveu. Trata-se de uma comédia romântica em que um homem cis se relaciona com uma mulher trans.