A prova de que existia um Vadico, no âmbito musical, antes e depois de Noel Rosa, é que, em 1929, quando decidiu largar o emprego de datilógrafo e estreou como pianista de uma orquestra em um hotel na cidade de Poços de Caldas, no interior de Minas, ele já havia se sagrado vencedor do concurso de marchinhas promovido pelo jornal “Folha da Manhã” com a música “Isso Mesmo É o que Eu Quero”, no mesmo ano. Assim como, após a perda do amigo, continuou compondo e sendo gravado por Agnaldo Rayol, Elizeth Cardoso, Agostinho dos Santos e Lana Bittencourt, quando se tornou parceiro de Marino Pinto (a obra mais conhecida é “Prece”), e Vinicius de Moraes (com “Sempre a Esperar”).
“A grande dificuldade para o Vadico foi encontrar um parceiro que estivesse à altura do Noel Rosa, que como letrista sempre foi muito acima da média. Muita gente afirma que ‘Feitio de Oração’ é a música mais perfeita de todos os tempos”, declara o biógrafo Gonçalo Júnior. O relato comprova, por outro lado, que, apesar dos feitos, Vadico nunca mais foi o mesmo após travar seu primeiro encontro com o “Poeta da Vila”.
“Foi o Eduardo Souto quem os apresentou, nos estúdios da Odeon, quando o Vadico tocava piano e o Noel gravava uma faixa com Francisco Alves. De cara eles criaram três sambas de ‘arrasar quarteirão’, e o primeiro foi ‘Feitio de Oração’”, conta Gonçalo Júnior. Dali por diante, eles emendariam 11 parcerias (“Conversa de Botequim”, “Feitiço da Vila”, “Pra Que Mentir?”, “Tarzan, o Filho do Alfaiate”, entre outras) até a morte de Noel, vítima de tuberculose. Ou melhor, 12 músicas, como revela o autor do livro.
“Essa canção foi feita em dezembro de 1936, para um concurso do jornal ‘A Noite’, e entregue no ‘apagar das luzes’ – inclusive o Noel teria dito ao editor que o recebeu: ‘que os últimos sejam os primeiros’”, sublinha.
No entanto, o golpe de 1937, que instaurou o Estado Novo, impediu a continuidade do concurso, e a canção jamais ficou conhecida, nem teve letra ou título divulgados. Além dessa, a publicação traz outras curiosidades: “De outubro a dezembro de 1936, os dois trabalharam no programa ‘A Hora do Brasil’, e os 15 minutos finais eram reservados para números musicais com o Noel cantando e tocando violão e o Vadico ao piano”.
Outros dois episódios marcantes ocorreram em momentos tensos da vida do parceiro. “‘Pra que Mentir?’ o Noel escreveu golfando sangue. Ele correu até o Vadico e disse que precisava de uma melodia com urgência”, afirma Gonçalo Júnior. Já “Último Desejo” foi entregue por ele a Vadico com a uma missão especial: cantá-la, pessoalmente, para Cecy, dançarina de cabaré por quem Noel foi apaixonado. “E ele o fez”, conclui Júnior.
“Pra que Mentir?: Vadico, Noel Rosa e o Samba”, de Gonçalo Júnior
Editora: Noir
Páginas: 412
Preço: R$ 59, 90
Biografia do parceiro de Noel Rosa em clássicos como “Feitio de Oração”, “Feitiço da Vila”, “Conversa de Botequim” e “Pra Que Mentir?”, narra sua trajetória em busca de reconhecimento