Radicado em Nova York há cinco anos, o brasileiro Guilherme Marcondes pegava o trem todos os dias no mesmo local – uma estação “detonada, meio como uma ruína”, nas palavras dele. Como um verdadeiro animador, ele começou a observar o local e sua mente passou a devanear rumo aos seres que habitavam aquele ambiente quando não havia mais ninguém ali. Instigado pelo “universo”, ele pegou uma câmera, um amigo vestido num fraque “como um gentleman do século XIX” e filmou algumas cenas, sem autorização, que ele misturaria a seres criados com animação e efeitos visuais.
Para entender como isso resultou em “Caveirão”, curta sobre o centro de São Paulo que estreou na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, no último sábado, é preciso rebobinar até as origens de Marcondes. Formado em Arquitetura, ele trabalhou como diretor de animação por anos até receber uma proposta de emprego de uma produtora de Los Angeles em 2005, após o sucesso de seu primeiro curta, “Tyger”. Marcondes ficou um ano por lá e depois assinou com a Hornet, de Nova York, com a qual permanece até hoje. “Em 2005, quando fui embora, fazia sentido porque a mistura de técnicas que eu queria não existia no Brasil ainda. Hoje é diferente, o mercado está bem mais amadurecido e com mais oportunidades”, avalia.
É por isso que, sem encontrar financiamento nos EUA, ele decidiu mostrar as imagens filmadas na estação para a Paranoid, produtora do diretor Heitor Dhalia. “Ele viu e falou ‘do caralho, bota num edital e vamos fazer no Brasil’”, lembra Marcondes. Foi quando o jovem paulistano se deu conta de que o filme seria muito mais interessante passado no Brasil, com elementos da cultura brasileira e música nacional. “Fazer animação e comunicar com imagens em outra língua é uma linguagem universal, não muda. Agora, escrever uma história e trabalhar com roteiro é outra coisa. Existem especificidades culturais que se perdem, fica uma coisa mais genérica”, explica.
Marcondes, então, aproveitou o melhor de dois mundos. Ele escreveu um pré-roteiro em uma semana e foi aprovado em um edital brasileiro. Ao mesmo tempo, o diretor utilizou seus contatos norte-americanos e conseguiu uma equipe técnica de ponta para um curta que mistura live-action, animação e efeitos visuais. “Gosto de misturar coisas reais com efeitos fantásticos na mesma imagem, como se tudo vivesse no mesmo universo”, conta.
Não por acaso, Marcondes aponta como suas maiores influências o trabalho de Michel Gondry, Hayao Miyazaki, David Cronenberg e filmes clássicos de fantasia dos anos 1980, como “Labirinto” e “História Sem Fim”. “Eles têm um lado dark e fantasmagórico que eu acho bem mais interessante que as produções do gênero hoje”, analisa.
“Caveirão” estreou em março no festival South by Southwest, nos EUA. E, mesmo querendo que o maior número de pessoas possível veja o curta na telona, onde o trabalho de finalização em 2D e 3D é mais visível, o diretor pretende disponibilizá-lo online em breve – antes até da sua provável exibição no próximo Anima Mundi, em agosto.
Enquanto isso, Marcondes se encontra trabalhando no roteiro de seu primeiro longa, que ele descreve apenas como “Alice no País das Maravilhas em São Paulo”. A história de uma “garota de classe média alta que se embrenha pelo submundo fantástico” da metrópole compartilha um universo próximo ao de “Caveirão”, seguindo o gosto do diretor por misturar técnicas diferentes.
“Conheço muita gente que faz o primeiro longa com uma câmera e dois amigos. No meu caso, ninguém vai me dar uma verba pra estrutura que preciso pro meu tipo de história, que não é pequena”, argumenta o animador. “Por isso, o curta é importante. É uma etapa, mesmo que às vezes seja mais difícil divulgar e fazer ele ser visto do que a própria produção”, brinca.