O Ministério da Cultura (MinC) anunciou nessa terça-feira (21) um pacote de mudanças na Lei Rouanet, um dos principais programas do governo federal de incentivo à cultura por meio da isenção fiscal. Com a nova instrução normativa (IN 1/2017), a pasta prevê uma fiscalização mais rigorosa do uso dos recursos após o escândalo que veio à tona no ano passado com uma operação a Polícia Federal, que investiga o suposto desvio de R$ 180 milhões do programa de incentivo. Uma CPI sobre o tema está em andamento na Câmara dos Deputados. Segundo dados do ministério, atualmente há um passivo de 18 mil projetos culturais apoiados pela Lei Rouanet com a prestação de contas em análise.
“As mudanças estão dentro do contexto nacional e visam melhorias na captação desses recursos. O objetivo é melhorar a qualidade e o processo de democratização da cultura, promovendo a descentralização dessas atividades”, afirmou José Paulo Soares Martins, chefe da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC, em entrevista ao Magazine.
Entre as medidas estão a prestação de contas em tempo real, ingressos a preço médio máximo de R$ 150 a criação do teto máximo para captação de recursos e benefícios maiores para produtores que realizarem projetos em regiões menos favorecidas do país.
Com as mudanças, cada projeto cultural terá uma conta vinculada no Banco do Brasil, e os gastos serão lançados no Portal da Transparência, o que permitirá que qualquer pessoa acompanhe o caminho do dinheiro em tempo real.
O MinC também estabeleceu um teto na captação de recursos de R$ 10 milhões por projeto (exceto projetos de temática de patrimônio, área museológica e Planos Anuais de Atividade, que não terão limite do valor), e definiu que pessoas jurídicas poderão arrecadar, no máximo, um total de R$ 40 milhões.
Descentralização. As alterações também criaram facilidades para os agentes culturais que investirem em projetos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Para essas regiões, por exemplo, o teto será um pouco maior, de R$ 15 milhões, e não haverá um número máximo de projetos por empresa. Hoje, 80% dos projetos atendem a Estados do Sudeste.
Em 2016, por exemplo, Sul e Sudeste ficaram com 93,3% do R$ 1,142 bilhão em recursos captado – o equivalente a R$ 1,06 bilhão. A concentração de verba nessas regiões manteve o nível dos últimos anos.
Em vigor. “Essas mudanças foram amplamente debatida com técnicos e profissionais da área da cultura de todo o país antes de serem anunciadas. Elas entram em vigor a partir de amanhã (esta quarta-feira, 22). Ou seja, todos os projetos inscritos anteriormente ainda seguirão a antiga norma”, ressaltou José Paulo Soares Martins.
De acordo com o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC, as instruções normativas chegam para complementar a atual legislação, mas ele garante que as medidas anunciadas nessa quarta (22) não alteram a lei. “A Rouanet não muda. Muito pelo contrário, continua a mesma. Agora, a CPI (que acontece na Câmara), em seu parecer final, pode solicitar mudanças na lei. Mas isso, se ocorrer, será mais pra frente”, garantiu.
Nessa quarta (22), durante o anúncio das novas regras, o ministro da Cultura Roberto Freire afirmou esperar que a CPI defina novos encaminhamentos legislativos para aprimorar as regras. (Com agências)
Inhotim
“As medidas não nos afetam”
Instituto cultural localizado em Brumadinho é o maior captador de recursos pela Lei Rouanet em Minas Gerais
FOTO: Rossana Magri / Divulgação |
Proposta. Antônio Grassi explica que mudanças na lei não devem afetar os planos do instituto |
O Instituto Inhotim, localizado no município de Brumadinho, foi o maior captador da Lei Rouanet em Minas Gerais e o sétimo do país em 2016. Só no ano passado, captou R$ 15.180.741,65 para três projetos – Plano Anual de Atividades e Manutenção, exposição “Objeto para o Mundo” e “Inhotim em Cena”. Entretanto, segundo o diretor executivo Antônio Grassi, o museu a céu aberto não deve ser afetado pelas novas regras. “Diretamente, as medidas anunciadas pelo governo federal não afetam o Inhotim, pois o foco maior dessa mudança são os projetos específicos, e não o Plano Anual de Atividade, que é o que trabalhamos aqui e que nos ajudam a desenvolver muitas coisas”, diz.
Pelo Plano Anual de Atividades, a instituição descreve todos os projetos que serão realizados no local durante o ano, assim como todas as atividades necessárias para que o espaço e toda sua estrutura sejam mantidos em funcionamento. “Nossos projetos que não são incluídos nesse Plano Anual são pontuais e específicos”, afirma Grassi.
Segundo o diretor, ele fará parte do Fórum Brasileiro pelos Direitos Culturais na próxima semana, em São Paulo, sobre o conjunto de medidas anunciadas nessa quarta (22). Representantes de instituições como o Itaú Cultural, Fundação Roberto Marinho e Museu de Arte de São Paulo (Masp) participarão da discussão. “Deliberamos fazer um fórum circulante, porém, neste primeiro momento, acontecerá em São Paulo. Vamos discutir sobre as mudanças que podem vir, principalmente para os produtores independentes, de que maneira isso pode afetá-los”, ressalta, afirmando que, nesse primeiro momento, não vê nenhum problema nas mudanças anunciadas nessa terça (21).
Entretanto, Grassi revela o temor do setor em relação à retração das empresas que investem em atividades culturais por meio da Lei Rouanet. “É comum as mudanças trazerem uma retração, até o mercado entender o que está acontecendo”, ressaltou o diretor.
Patrocínio. Para 2017, o governo federal, por meio da Lei Rouanet, autorizou o Instituto Inhotim captar R$ 30.212.807,80 para o Plano Anual de Atividades deste ano. Desse total, o instituto já arrecadou, segundo o site do Ministério da Cultura, R$ 4.032.493,32. “A captação que fazemos pela Rouanet não é suficiente para manter o Inhotim funcionando. Autorizam a gente a captar R$ 30 milhões, mas captamos cerca de R$ 14 milhões”, contou.
Segundo Grassi, a instituição estuda outras formas de angariar recursos. “Estamos desenhando outras formas de captação fora da Lei Rouanet”, disse ele, revelando que a criação de um fundo de doadores é uma das alternativas, a exemplo do que foi anunciado nessa quarta (22) pelo Masp, em São Paulo.
Na tentativa de dar mais segurança às finanças do museu paulista, a direção está criando um “endowment”, que é um fundo alimentado por doações privadas de empresas e patronos. “São reservas financeiras que estão ali para o museu”, disse Heitor Martins, presidente do Masp.
É um modelo muito usual lá fora e é construído a partir de ações de filantropia, tendo por objetivo assegurar a estabilidade da instituição ao longo do tempo. O Masp, a princípio, tem uma meta de chegar a R$ 40 milhões, o suficiente para bancar o funcionamento do museu durante um ano caso acabem seus recursos.
Avaliação. Os impactos das novas regras da Rouanet podem provocar no setor cultural ainda são uma incógnita. Mas muitas instituições e produtores já começaram a estudar as mudanças, como é o caso Instituto Cultural Filarmônica. “A gente, como todo mundo do setor cultural, está debruçado sobre essas instruções normativas para saber o que elas vão significar para nós. Ainda não tenho nenhuma opinião conclusiva em relação a todos os itens, mas pelo que lemos não me parece que exista algo que vá nos afetar”, afirmou Diomar Silveira, presidente do Instituto.
“Nós sempre focamos em planos anuais que são encaminhados para a aprovação do Ministério da Cultura e, do ponto de vista da transparência, todos as nossas informações estão lá disponíveis no portal público, com as prestações de contas todas registradas. Portanto, não identificamos nada que poderá provocar alguma mudança no que já exercemos na prática”, acrescentou.
Procurado, o Grupo Galpão informou que deve se reunir em breve para discutir as novas normas da Lei Rouanet. (Com Carlos Andrei Siquara)
Números
1991 é o ano em que a lei foi criada.
R$ 15,9 bi é o valor total que já foi captado por projetos aprovados na Rouanet.
79,7% dos recursos da Rouanet (R$ 12,7 bilhões) foram captados no Sudeste.
R$ 19,3 mi foi o valor arrecadado pelo Instituto Tomie Ohtake em 2016, o proponente que mais arrecadou ano passado.