Pensar o teatro como um shopping é questionar o espaço da arte – mesmo aquele aberto, em sua natureza, aos encontros mais diversos como é a criação teatral. A analogia, feita pelo ator mineiro Alexandre de Sena e por um coletivo que reúne pessoas interessadas no fazer artístico, levanta uma reflexão antiga, mas que segue em voga: onde estão os negros no teatro? No palco, na plateia ou delimitados aos espaços dos cargos técnicos? O que os artistas negros estão fazendo e em quais condições?
Tomando a visibilidade das pessoas negras como uma problemática, Alexandre adotou como proposta de criação a dinâmica dos eventos que tiveram seu auge em 2013 e reverberam até os dias de hoje: os rolezinhos, encontros marcados pelas redes sociais que atraíram jovens, em sua maioria negros da periferia, para ir aos shoppings.
A partir do episódio que ganhou a mídia nacional e da observação das formas como o teatro tem sido ocupado, Alexandre propôs uma convocatória para artistas e pessoas interessadas em participar de “rolezinhos” de criação e ensaios em locais públicos, que dão origem a performances e intervenções urbanas. Como uma espécie de preparação, os encontros têm servido como base criativa para a construção de “ROLEZINHO – Nome Provisório”, que será apresentado no Festival de Cenas Curtas, evento que acontece entre 24 e 27 de setembro no Galpão Cine Horto.
Os rolezinhos propostos por Alexandre partem do mesmo princípio daqueles realizados pelos jovens que ocuparam os shoppings centers: a busca e o grito por visibilidade. Mas, como ator, ele acrescenta o intuito artístico e o pensamento performático. Já no décimo encontro – em diversos espaços da cidade, como a Savassi, praça da Estação e praça Marília de Dirceu –, os rolezinhos partem de uma convocatória pela internet, reunindo pessoas interessadas em compartilhar experiências pessoais e dando a elas uma forma artística.
“Esse é um jeito de colocar as pessoas em contato com um discurso performático. Cada rolê é um rolê, mas sempre nos embasamos teoricamente a partir de um texto. Depois, saímos do ambiente virtual e nos encontramos pela cidade. Em cada encontro, convidamos as pessoas para propor uma ação como uma forma de estimular o protagonismo. A partir da proposta, criamos uma espécie de paisagem, uma criação performativa. Às vezes, dez negros reunidos, sentados em uma roda de conversa, já é um acontecimento”, conta.
As reações de quem assiste aos experimentos, no entanto, nem sempre são receptivas. “Algumas vezes, as pessoas se ofendem. ‘Será que é macumba?’ O que nós ouvimos cotidianamente, acabamos ouvindo também nos rolezinhos, o que desperta várias reflexões para o grupo e, de alguma forma, vai afetar a criação de uma cena”, comenta.
Portas fechadas. A busca por uma construção cênica que contemple artistas da comunidade negra e que se aproxime de espectadores interessados por uma cena afro-brasileira motivou a reunião do coletivo, que tem discutido a negritude dentro dos espaços urbanos e, em específico, o que é teatro negro, suas linguagens e temáticas. “Me intriga a quantidade de negros em cena. Claro que temos exemplos a dar. Sempre me lembro de Adyr Assumpção, Tizumba e Benjamin Abras, se pensarmos em Belo Horizonte, que são artistas que desenvolvem um pensamento do que é ser negro na nossa sociedade. Mas há muitas pessoas produzindo e querendo produzir, mas que encontram muitas portas fechadas”, afirma o ator.
A questão tem inquietado Alexandre desde a criação de cenas como “O Que Não Vaza É Pele”, que teve como disparador a agressão sofrida pelo ator, que apanhou da polícia militar em 2011. Mais recentemente, Alexandre dirigiu também a cena “Não Conte Comigo para Proliferar Mentiras”, que tensiona temas como gênero, raça e classe. “Depois desses trabalhos, a discussão ficou ainda mais vertical para mim. Comecei a pensar no que poderia fazer para seguir com o debate e com a construção artística que toquem nesses temas e contribuam para uma linguagem artística que inclua as formas do negro de fazer arte”, explica Alexandre.
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O teatro como um shopping
Rolezinhos servem de mote criativo para novo trabalho do ator Alexandre de Sena, que debate a negritude na arte
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