"Olhos nos olhos, quero ver o que você diz", diz a música de Chico Buarque. Na série de fotografia de Paula Huven, que compõem a exposição "Devastação", em cartaz a partir de sábado, dia 17, na AM Galeria, o olhar recíproco é intermediado por um espelho de fundo falso, é ausente de fala e nos tem como testemunha. E, então, o que vemos? Projeto contemplado pelo Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais, o único em Minas Gerais, "Devastação" explora a relação íntima entre mães e filhas, na troca de olhares que acontece através do espelho. A fotógrafa — e nós, público-espectador — nos colocamos atrás do espelho.
"Devastação é um conceito lacaniano sobre a separação dolorida que a filha deve realizar em relação à mãe. Ela precisa se separar deste primeiro objeto de amor a fim de constituir como mulher", explica a fotógrafa. No movimento de confrontar-se com o outro reside o interesse e abordagem do ato fotográfico por Paula Huven. "Há um bom tempo, estava com vontade de trabalhar com espelho. E há outros trabalhos meus que trazem tanto a questão do reflexo quanto a relação de uma pessoa com a própria imagem. Conversando com uma amiga, que depois me indicou um artigo, cheguei ao conceito de Lacan", revela.
- INTIMIDADE
Neste trabalho cheio de reflexos e reflexões, está em jogo tanto a capacidade de confrontar a si mesmo, sua imagem refletida, quanto a necessidade de olhar para o outro e diferenciar-se dele, que, nos termos psicanalíticos, seriam o Outro primordial, a primeira fonte de amor: a mãe. Colocar-se em silêncio diante do espelho e diante do olhar de um outro, reflete Paula, traz uma sensação de fragilidade e/ou até de intimidade excessiva. "Difícil" foi uma das palavras mais escutada após as sessões fotográficas. "Foi muito recorrente as pessoas quererem se esquivar do espelho".
Ao mesmo tempo em que a relação diante do espelho poderia suscitar ou revelar vulnerabilidade, Paula reconhece que a característica mais forte do trabalho é capturar na fotografia a relação de olhares, "e tudo o que isso carrega", entre mães e filhas. Materializar um momento da experiência vivida. "A relação entre elas é sempre mediada por um desejo de reconhecido e o seu contrário. Uma busca por identificação e, ao mesmo tempo, uma repulsa dessa identificação. E acho que isso tem muito a ver com o jogo fotográfico: um exercício de olhar para si".
Quão potente pode ser uma troca de olhares — em silêncio, sem gestos: o olhar puro e simples? E quão a capacidade de transparência de uma fotografia ao nos transportar um espaço da intimidade? Por nos postarmos, junto com a fotógrafa, atrás do espelho, somos cúmplices desta intimidade difícil entre mulheres. Paula resumiu bem: trata-se de um exercício do olhar e também um espaço da intimidade. Tanto para as mulheres envolvidas na troca que acontece diante do espelho, quanto para nós, observadores. E, afinal, pergunto: o que vemos?
"Devastação", primeira individual de Paula em Belo Horizonte, é composta por 15 fotografias em tamanho 100X100 e fica em cartaz até o dia 7 de junho.
- AGENDA
- O que? Devastação, de Paula Huven
- Abertura: 17 de maio de 2014, das 10h às 14h. Exposição: de 19 de maio a 7 de junho
- Onde? A.M Galeria de Arte. Rua Cláudio Manoel, 155, Lj. 4 - Funcionários
- Quando? Segunda à sexta, de 10h às 19h. Sábados, de 10h às 13h30
- Informações: (31) 3223-4209
Faça login para deixar seu comentário ENTRAR