A entrevista aconteceria no intervalo de uma oficina. Engano. Não se pode esperar o comum do diretor e ator Cacá Carvalho. Na sede do Grupo Galpão, para aproximadamente 20 atores, ele ministrava a oficina “O subsolo produtivo do ator”, em que compartilhava com os participantes o processo de criação de “2x2=5 O Homem do Subsolo”, um monólogo de sua autoria em cartaz desta sexta (24) a domingo, no Galpão Cine Horto.
O que seria uma entrevista, então, se transformou em uma vivência. Cacá abriu a porta da sala de ensaio e me convidou a entrar. O momento seria oportuno para observar, de longe, como ele compartilharia seus ensinamentos, suas reflexões sobre o teatro e o mundo, adquiridos ao longo de seus 63 anos. Ele, no entanto, me direcionou para sentar-me ao lado dos atores que participavam da oficina e se sentou no centro. “Pronto, pode começar a entrevista”, disse o ator, como se a situação fosse da ordem do natural ou do combinado.
Ainda que diante da inesperada exposição em que havia sido posta, tive que entrar no jogo de Cacá para iniciar a conversa e pensar que, com respostas sempre apaixonadas e conscientes sobre o fazer teatral, em especial pelo encontro com o público, Cacá poderia, talvez, responder qual é o lugar do teatro em tempos em que o capital tem vencido as lutas do homem.
“Tudo o que cerca o ato teatral tem uma função importante, porque nos vem para contribuir para a transformação do elemento humano, não mais romanticamente para transformar o mundo. Existe um discurso antigo ainda praticado, que eu coloco em questão que é sobre formação de plateia. Acho difícil e romântica essa ideia de formar público. Acho mais possível, e o Grupo Galpão é um exemplo disso, formar o seu público, aquele que segue o seu discurso, o seu fazer. Como se cada encontro fosse a continuidade de uma formação ética e artística”, comenta.
Mesmo reconhecendo a pluralidade de formas artísticas, em especial de se fazer ouvir um discurso político, Cacá faz sua aposta pelo poético. “Diante da conjuntura terrível em que nós estamos, o teatro, para resistir, não pode simplesmente brigar. Tem que encontrar estratégias de diálogos, consciente de que isso é algo que levará muito tempo e que não será na nossa geração que será resolvido. Nosso trabalho nos mostra como é perigoso esse ambiente de desmoronamento no sistema político, econômico. Temos que ter consciência e não ser porta-voz direto disso”, afirma Cacá.
“Tem que dar consciência poeticamente. Teatro traz a consciência, a doença mais maravilhosa que o homem pode ter, porque ela gera uma ação”, completa.
É a consciência sobre o mundo em que viveu que leva o personagem de “2x2=5”, texto inspirado no romance “Memórias do Subsolo”, publicado em 1864 pelo escritor russo Fiódor Dostoiévski, a buscar um lugar subterrâneo como morada.
“2x2=4 é uma forma profunda para dizer da sociedade pragmática e formal que determina o percurso da vida. Estudar, namorar, casar, ter filhos, cumprir metas e funções que dignifiquem ter vindo ao mundo. Isso é 2x2=4. Esse homem do subsolo reconhece isso e acredita que é preciso um ingrediente desestabilizador desse percurso que é a fantasia. Seja no amor, no trabalho, na estrutura social, se você segue o curso, você não se enxerga, não enxerga, não é enxergado”, reflete Cacá.
Projetos. Depois de montar a “Trilogia Pirandello”, do dramaturgo italiano, e beber em Dostoiévski, Cacá ainda está em dúvida sobre seu próximo espetáculo, mas acredita que fará algo em que não esteja no palco. “Penso em fazer da plateia e falar sobre um homem que passa uma noite de tempestade querendo salvar galinhas. Quando vem o dia, ele vê as pegadas da noite e pensa que já não está mais onde suas pegadas ficaram”, conta o ator. “As pessoas estão preocupadas com o que mais vão fazer no teatro. Eu acho que está na minha hora de pensar como, pouco a pouco, vou sair do teatro”.
Agenda
O quê. Exposição “2x2 = 5 O Homem do Subsolo”
Quando. Nesta quinta-feira (23), às 20h; nesta sexta (24), às 21h; sábado (25), às 18h30, e domingo (26), às 19h.
Onde. Galpão Cine Horto (r. Pitangui, 3.613, Horto)
Quanto. R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
Oficina
Os encontros e as partilhas com o outro
“Ele observa as pessoas. Me dá impressão que ele olha através da gente”, conta o ator Belo Militani sobre o encontro com Cacá Carvalho na oficina “O subsolo produtivo do ator”.
“As pessoas me perguntam por que fazer tanta oficina. Cada vez que solicito que um grupo leia esse texto do espetáculo, eles definem o horizonte do trabalho, trazem pontos de vista que me reacendem. O conteúdo da peça se torna outro”, diz Cacá.
Ao longo de cinco dias, ele revela a construção dos trabalhos desenvolvidos ao lado de Roberto Bacci, com quem vem trabalhando na Itália.
“Ele traz uma vontade de pesquisa, de investigação, de descobrimento do eu autêntico, da matéria humana que sofre alterações o tempo todo do externo”, afirma o ator Thiago Sá.
“Cacá traz uma reflexão pra que possamos encontrar nossos próprios caminhos pra construção e desconstrução do nosso trabalho como ator”, completa Diego Roberto. (JA)