Há algumas semanas, Hollywood adaptou um game sem narrativa nenhuma e fez um longa surpreendentemente coerente e até simpático: “Angry Birds”. Como um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, bastaram alguns dias para ela pegar um game que é pura narrativa e fazer “Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos”, um filme sem foco, derivativo e com o final mais sem nexo de 2016.
O longa, que estreia hoje, tem início quando os orcs, liderados pelo mago Gul’dan (Daniel Wu) e pelos guerreiros Durotan (Toby Kebbell) e Mão Negra (Clancy Brown), invadem o mundo humano após destruirem o seu. Cabe ao rei Llane (Dominic Cooper), o guerreiro Lothar (Travis Fimmel), o mago guardião Medivh (Ben Foster) e o aprendiz Khadgar (Ben Schnetzer), com a ajuda da mestiça Garona (Paula Patton), meio humana e meio orc, defender os “sete reinos”.
O longa do diretor Duncan Jones (dos bons “Lunar” e “Contra o Tempo”) começa no mundo dos orcs. Com um visual completamente digital e o uso de câmera em primeira pessoa e movimentos rápidos, a impressão é de estar realmente assistindo a um game – com o pequeno detalhe de que você não pode jogar, então a experiência funciona mais para os fãs.
Quando Jones migra para o universo humano, no entanto, “Warcraft” se torna uma versão ainda mais kitsch de um videoclipe de rock progressivo dos anos 1980. Os figurinos e os cabelos dos personagens, assim como o design de produção, são tão artificiais e feios que vão fazer os detratores mais ferrenhos d’O Hobbit” sentirem falta de Peter Jackson. O Medivh de Ben Foster é um cruzamento infeliz de Gandalf com Bruce Dickinson na década de 80.
Some isso ao aspecto (compreensivelmente) repugnante dos orcs, e “Warcraft” é uma produção visualmente trash. Se ao menos o roteiro ajudasse, mas os diálogos de Llane e seus conselheiros – expositivos e sem nenhum subtexto – são os melhores argumentos para quem defende “Game of Thrones” como um tratado de ciência política.
E os atores não têm calibre suficiente para melhorar a dramaturgia. Com uma vasta gama de personagens, o mais perto de um protagonista do longa é Lothar. O problema é que Travis Fimmel (do seriado “Vikings”) – um Tom Hardy de baixo orçamento – não tem nem o timing cômico para as piadas deslocadas de seu guerreiro, nem a química necessária com Patton para seu romance com Garona.
A exceção é a ótima Ruth Negga (revelação do último Festival de Cannes com o drama “Loving”), tão boa como a rainha Taria que merecia um filme melhor. Aliás, para não dizer que não falei de flores, é válido notar que as personagens femininas de “Warcraft” – especialmente as orcs Garona e Draka – têm vida interior e funções que vão além do interesse romântico típico dessas produções.
E a decisão de Jones de não fazer dos orcs meros vilões, dando igual peso aos dois lados e mostrando que há seres bons e ruins em ambos, também tem seu mérito, apesar de contribuir para o maior problema da trama: a falta de um ponto de vista, ou de entrada, claro que permita ao espectador mergulhar naquele universo. Considerando que o visual clean e a coerência narrativa eram as maiores qualidades do ótimo “Lunar”, é difícil entender como os dois longas têm o mesmo diretor.
Normalmente, essas produções valem ao menos pela grande batalha final. Mas nem isso “Warcraft” oferece. O filme desanda de vez no último ato, quando uma série de furos no roteiro, planos que não fazem sentido, ou não ficam claros, e decisões implausíveis tentam forçar um final aberto, sem pé nem cabeça, com um gancho para uma sequência. Esqueceram que, para ela acontecer, o público tem que gostar do primeiro.
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