O escritor Thomas Bernard (1931-1989) assinou importantes livros e peças de teatros. Entre eles, está “Árvores Abatidas”, lançado em 1984, que alfineta a dissimulação da aristocracia vienense e questiona o teatro daquela época à luz de seus atores consagrados que nada apresentam de novo. Polêmica, quando lançada a obra literária chegou a ser proibida, devido ao uso de nomes reais pelo autor.
Decádas depois,, o diretor de teatro Marcos Damaceno resolveu criar uma peça baseado nessa obra por acreditar que Curitiba, cidade em que vive, compartilha de aspectos muito similares aos de Viena de então. Assim nasceu “Árvores Abatidas ou Para Luís Melo”, em cartaz nesta sexta e sábado no Teatro Marília.
A adaptação brasileira é um monólogo cuja história centra-se em uma mulher que vai a um jantar dedicado a um famoso ator do teatro nacional em que estão reunidas celebridades de talento questionável. Lá, ela começa a refletir sobre o que vê e sobre acontecimentos importantes de sua vida. “Mostro as relações pessoais dos artistas, inspirado no que sempre vi em Curitiba, um lugar onde fracos não têm vez”, diz Damasceno.
Mesmo sendo inspirada no cenário local, o dramaturgo descobriu, depois de diversas apresentações pelo Brasil – chegaram a encenar em pequenas cidades do Amazonas e Roraima –, que o caráter universal da obra era mais pujante do que imaginava. “Estreamos em 2008. De lá para cá foram apenas algumas mudanças de cenário para se adequar às cidades. Algumas nem sequer teatro tinham. Mas o mais interessante das viagens foi poder ver como as pessoas comentavam sobre a obra e comparavam com o cenário local”, diz Damaceno.
O que também chama a atenção do público é a agilidade e a versatilidade da única atriz no palco: Rosane Stavis. Ela é a responsável por encarnar 14 personagens durante uma hora e 20 minutos de espetáculo. “Foi meu primeiro monólogo e acho que é importante para qualquer ator passar por essa experiência, pois é uma peça que depende exclusivamente de você. É importante para aprender, apesar de ser por um caminho solitário”, relata a atriz.
Mesmo neófita no formato, Rosana conseguiu reconhecimento de público, da crítica especializada e indicação para três grandes prêmios como melhor atriz. Contribuiu bastante para seu desempenho o fato de ser cantora lírica, pois, em inúmeros atos seus personagens entoam canções do estilo ou falam de forma cantada.
Para a atriz, a peça mostra um esforço comum entre artistas e, de alguma forma, provoca reflexão no público por retratar ações passíveis de se manifestarem em qualquer pessoa em que há a busca pelo sucesso. “A projeção gera ressentimentos e atitudes muitas vezes inesperadas. Isso pode acontecer com qualquer pessoa”, diz Rosane.
O enigma. Outro aspecto que até hoje chama atenção na peça é a inclusão da dedicatória para o ator curitibano Luiz Melo. Ao ler somente o título, o espectador tem impressão de que se trata de um tributo; porém, ao compreender sobre os meandros da peça instaura-se a dúvida se não seria o contrário.
A resposta fica por conta do diretor. “Na nossa primeira apresentação em São Paulo, um jornalista escreveu que era uma grosseria; outros chegaram a falar que era até ataque pessoal. Para mim sempre foi um elogio, uma homenagem de amor e ódio. Não é só um afago, mas apontamento para detalhes”, afirma.
Por isso, os comentários não causam incômodo em Damaceno. “Adoro que isso gere várias interpretações. Acho que toda grande obra causa divergência, afinal estou falando sobre ser humano e, portanto, não tem com ser Deus e o diabo ao mesmo tempo”, conclui o diretor.
Perfil
Saiba mais. Paulista radicado desde criança em Curitiba, Marcos Damaceno coordena a companhia de teatro que leva seu nome há dez anos. Foi também responsável pelo núcleo de dramaturgia do Sesi da capital paranaense. Dirigiu espetáculos como “Vampiro com Carinho”, “Sonho de Outono” e “A Casa”.
Agenda
O quê. Espetáculo “Árvores Abatidas ou Para Luís Melo”
Quando. Sexta, às 21h, e sábado, às 19h
Onde. Teatro Marília (av. Alfredo Balena, 586, Santa Efigênia)
Quanto. R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)