“O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos” é mais uma prova da máxima que o grande filósofo da música popular brasileira Beto Jamaica já cantava nos idos de 1994: “pau que nasce torto nunca se endireita”. Mesmo sendo o melhor capítulo da trilogia dirigida por Peter Jackson, o filme padece dos mesmos males de que sofriam os longas anteriores e que deixam essa nova incursão pela Terra-Média a anos-luz da qualidade de “O Senhor dos Anéis”.
O maior desses problemas continua sendo a estrutura. “Cinco Exércitos” começa com o ataque do dragão Smaug à Cidade do Lago – que é, na verdade, o clímax de ação do capítulo anterior. Quando isso é resolvido, o filme segue por uma hora de calmaria arrastada – que poderia ser resolvida em menos de meia hora – até que começa a (boa) batalha entre os cinco exércitos do título: anões, elfos, homens, orcs e uma “cavalaria” que surge no final.
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Esse Frankenstein estrutural deixa claro como a decisão de dividir o livro de Tolkien em três filmes foi um equívoco que Jackson não conseguiu executar – e como a história deveria ter sido adaptada mesmo em um, ou no máximo dois longas. O segundo problema tem a ver com essa “distensão”. A intenção do cineasta de conectar a saga de “O Hobbit” com a trilogia anterior, utilizando os apêndices de “O Senhor dos Anéis”, era uma boa ideia no papel, mas não funciona na tela. A cena que introduz o retorno de Sauron é completamente deslocada de todo o resto do longa e só serve para mostrar como Cate Blanchett é fodona e, se quisesse, sua Galadriel poderia botar todo mundo ali para correr.
O terceiro ponto que cria um buraco negro entre as duas trilogias diz respeito aos personagens. Os anões continuam sendo muito pouco empáticos e você seguirá não lembrando o nome de nenhum deles. E quando seu líder Thorin (Richard Armitage) é acometido pela doença do dragão – ou mesmo quando o humano Bard (Luke Evans) deve salvar seu povo do extermínio – fica clara a diferença que um ator do calibre de Viggo Mortensen faz.
Some-se ainda o romance entre o anão Kili (Aidan Turner) e a elfa Lauriel (Evangeline Lilly), que nunca empolga. Criação dos roteiristas, por sinal, Lauriel amarga algumas das cenas mais mal escritas do filme e embarca em uma jornada com Legolas (Orlando Bloom) pela terra dos orcs que, no final, não tem muito propósito a não ser encher linguiça.
O coração do filme e seu eixo central continuam sendo o protagonista Bilbo (Martin Freeman). É ele que toma as decisões morais mais complexas do roteiro. E é sua relação com Thorin que explicita o tema da trilogia desde o primeiro longa – a ideia do lar como o maior dos tesouros, um lugar a ser defendido não para se isolar do resto do mundo, mas para ser compartilhado com os amigos.
Isso fica bastante claro quando, no auge da guerra do título, Jackson praticamente deixa o campo de batalha de lado para focar na jornada dos dois. Não que o confronto não empolgue. Ele não chega aos pés da batalha do Abismo de Helm de “As Duas Torres”, uma das melhores sequências de batalha deste século, mas Jackson consegue dirigir momentos assim com uma mão nas costas hoje em dia.
A encenação parece tão natural (e derivativa) quanto suas panorâmicas em 360º de pessoas caminhando por montanhas – que, se cinema fosse ginástica artística, já se chamariam o “Jackson twist carpado” por agora. “A Batalha dos Cinco Exércitos” funciona melhor exatamente para aqueles que ainda não se cansaram dessas imagens.