Ir a um restaurante ou a um bar que ofereça música ao vivo ou atração de entretenimento musical, na maioria das vezes, implica pagamento de couvert artístico, uma taxa extra na conta criada para bancar o cachê do artista. O repasse da tarifa, cuja legislação (quando existente) pode variar de acordo com município e Estado, nem sempre é integral.
Na verdade, assim como a taxa de 10% para serviços prestados por garçons, muitos consumidores e artistas não conhecem a legislação (veja quadro abaixo sobre a legislação em Minas Gerais) de seus Estados, que poderá ser modificada em âmbito nacional caso o projeto de lei 7710/14, do deputado federal Onofre Santo Agostini (PSD/SC), seja aprovado.
A proposta prevê duas significativas modificações na relação entre estabelecimento e artista. A primeira é a obrigatoriedade do contratante repassar o valor integral do couvert arrecadado durante a apresentação; e a segunda torna obrigatória a criação de um contrato entre as duas partes que deverá ser afixado na porta de entrada do estabelecimento. “A intenção do projeto é de corrigir injustiças praticadas contra artistas que se apresentam nesses locais. Acho errado que donos de estabelecimentos cobrem um valor por isso e não repassem toda a arrecadação aos artistas”, declarou o deputado.
Tal premissa, explica o congressista, foi elaborada levando em consideração os artistas pouco conhecidos, que, além de necessitarem do dinheiro, estão mais a sujeitos a serem explorados do que aqueles em diferente situação. Mesmo alicerçada em intenções nobres, a proposta toca numa relação menos linear do que o projeto prevê em seus artigos.
Dois caminhos. Em Belo Horizonte, por exemplo, existem casas que combinam com o artista de repassar integralmente o couvert. Caso do Baobar, que completa dois anos neste mês e sedia apresentações de DJs e bandas. “Eu não vejo nenhum problema com essa lei, pois de fato temos que valorizar o artista. O complicado para o estabelecimento é se comprometer com um valor sem saber se a casa vai ficar cheia”, afirma o dirigente do estabelecimento, Ibrahima Gaye.
Em outra casas da capital mineira, o contratante combina um valor fixo que independe do valor arrecadado, assegurando, assim, o ganho do artista. Enquadra-se nesse caso, o Café com Letras, que há mais de 15 anos trabalha com apresentação de música instrumental e DJs. “Eu acho (a proposta de lei) completamente desnecessária. No Brasil temos um excesso de regulamentação, e economistas sabem que regulamentação é igual a aumentos de custos, sempre”, opina o diretor do restaurante e produtor cultural, Bruno Golgher, que alerta sobre gastos além do pagamento do cachê: “Muitos não sabem, mas é oneroso para o estabelecimento que tem que comprar e manter instrumentos musicais e, além disso, pagar impostos sobre os valores cobrados”.
Neste item, Gaye concorda com o colega de profissão. “Temos gastos excedentes com comunicação, por exemplo”, afirma.
Custo. Com relação à exigência de contratos, Golgher diz que essa necessidade para negócios de quantias pequenas contribui apenas com o aumento de custo. “É encher de camadas de gastos uma relação que poderia ser muito simples e baseada na moralidade. Além do mais, isso pressupõe que o músico seja a parte mais fraca, o que não é verdade. Atualmente, com internet e leis de incentivo, eles têm mais oportunidades de se pronunciarem, e a experiência do tocar, para o músico, também vai além da parte financeira”, afirma Golgher.
É o caso do jovem baixista Frederico Heliodoro, 27, que toca em bares e restaurantes desde os 16. Para ele, as consequências do projeto em caso de aprovação para o cenário cultural são nebulosas. “A lei pode ajudar muito ou então enterrar o negócio de música ao vivo. Se todos os lugares aderirem e pagarem os 100% do couvert, será ótimo. Por outro lado, os estabelecimentos podem deixar de contratar artistas se o custo ficar muito alto”, vislumbra.
Golgher, por sua vez, conclui dizendo que a “hiperlegislação” do Brasil, representada por essa lei, instala um ciclo nocivo aos ambientes informais que tanto dão suporte a artistas, e prevê: “Quem paga o custo final é sempre o consumidor”.
Outra proposta de lei federal
Desde 2007, está em tramitação o projeto de lei 2094/2007 do deputado federal Gilmar Machado (PT/MG). A proposta do congressista obrigaria o estabelecimento a fornecer alimentação e proporcionar lugar para descanso para o artista e estipular a forma de contratação de forma antecipada.