É um paradoxo. Se você tentar escalar o Everest, o mais provável é que você morra. É muito frio, muito alto não tem ar suficiente. Ainda assim, as pessoas sobem. Porque é algo que faz você se sentir vivo. Acordar todo dia, tomar banho, café, trabalhar, comer, dormir é morrer um dia de cada vez. Escalar o Everest é o inesperado, é o que muda sua vida.
Mas a mera decisão de subir a montanha já é inesperada o bastante. Uma vez lá, a última coisa que você quer é que algo não saia exatamente como o planejado.
“Evereste” (com “e” mesmo), longa em pré-estreia nos cinemas neste fim de semana, é uma história real em que quase tudo que não era esperado, nem desejado, aconteceu. O longa do diretor Baltasar Kormákur (“Dose Dupla”) acompanha um grupo de alpinistas, guiados pela empresa do neozelandês Rob Hall (Jason Clarke), pego de surpresa por uma tempestade ao tentar chegar ao ponto mais alto do mundo em 1996.
E o maior mérito do cineasta islandês é que a matéria-prima que ele usa para contar essa história não são grandes efeitos especiais e tomadas épicas. São pouquíssimos os “Peter Jackson twist carpados” – panorâmicas aéreas de pessoas caminhando por montanhas. Seu “Evereste” é um longa de planos próximos, de atuações.
Porque é no excelente trabalho do elenco que o espectador vai vivenciar os efeitos da escalada. É por meio do rosto e do físico deles que se sente na pele os sintomas gradativos: o cansaço, a hipotermia, a tonteira, a desorientação, a vertigem, as oscilações de humor.
E, para que isso aconteça, Kormákur gasta um bom tempo na metade inicial, permitindo que cada ator transforme um arquétipo rascunhado – o carteiro (John Hawkes), o texano (Josh Brolin), o jornalista (Michael Kelly), o hippie (Jake Gyllenhaal) – em uma pessoa com quem você se importa. Porque, na segunda metade, quando “Evereste” se torna um filme de serial killer em que a montanha é o monstro (não é por acaso que os personagens morrem escorregando para o abismo, como se fossem engolidos por ela), são eles que vão te fazer sentir imersos naquele inferno, muito mais do que o 3D.
Mesmo que Clarke e Hawkes tenham os grandes momentos do longa, todo o elenco está impecável. Robin Wright, com cenas que não duram mais que dois minutos, faz chover com o papel mais ingrato do cinema – o da esposa presa e preocupada em casa – com um sotaque e uma atitude diametralmente opostas, mas igualmente competente, às da Claire de “House of Cards”.
São também os atores, com a ajuda do bom roteiro, que constroem um retrato realista do universo dos esportes radicais. São a bondade e o profissionalismo geneticamente neozelandezes de Rob Hall que determinam a escolha moral central da história, ressaltando a competência e a seriedade com que o país encara essas práticas, em contraste com a arrogância despreocupada norte-americana (no Scott Fischer de Gyllenhaal) e o isolacionismo negligente dos sul-africanos.
Mesmo escorregando com um final anticlimático, após uma montagem um pouco irregular que tenta equilibrar e dar a devida atenção a vários focos narrativos, Kormákur faz um trabalho competente. Ele realiza um ótimo exemplar de entretenimento, divertido e humano, fazendo uso de ângulos de câmera e cortes que permitem ao espectador viver a experiência angustiante e única daqueles personagens, sem jamais serem mais chamativos que a historia contada. E esse é o maior motivo para ver “Evereste”: se você já cogitou ir, vai te fazer pensar duas vezes; e se você nem pensa nisso, é o mais próximo que você vai chegar do topo do mundo.
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