A primeira lembrança marcante que Andréia Horta, 33, tem de Elis Regina (1945-1982) foi quando se mudou de Juiz de Fora, sua cidade natal, para fazer faculdade de artes cênicas em São Paulo. Levou consigo uma fita cassete com canções que marcaram sua adolescência. Entre elas, “No Dia Em Que Eu Vim-me Embora”, de Caetano Veloso, que Elis Regina cantava no show “Falso Brilhante”. “É uma música que fala de uma personagem que está indo embora de casa. Apesar da mãe, da avó e do pai estarem chorando, ela segue em frente, sem olhar para trás. Indo atrás do que ela desejava fazer. Quando li a biografia da Elis, vi muitas semelhanças com minha história. Eu, uma jovem, saindo de Juiz de Fora, com uma mão na frente e outra atrás, para estudar em São Paulo”, conta.
Fã da cantora, Andréia, que nasceu um ano depois da morte trágica de Elis, sempre sonhou interpretá-la. Aos 33 anos, a mineira não só realizou o sonho como é a protagonista da cinebiografia “Elis”, que estreia nesta quinta-feira (24) nos cinemas, e lhe rendeu o Kikito de melhor atriz no Festival de Gramado deste ano. O papel, segundo ela, não chegou de forma “abrupta”. Anos atrás, quando leu uma reportagem sobre o projeto do filme, quis fazer parte dele, mesmo não conhecendo ninguém envolvido. Revela que foi atrás do “pessoal do filme”. Por um acaso do destino, cruzou na rua com a roteirista (Patrícia Andrade), que a apresentou a Hugo Prata, o diretor da obra.
Quando assinou o contrato e viu que de fato chegaria aos cinemas vivendo a dona de uma das maiores vozes brasileiras de todos os tempos, teve uma explosão de sentimentos. “Maravilhosos e tenebrosos”, define aos risos. “É arriscado resumir numa frase essa sensação de interpretar uma grande artista como ela. E não é só porque já era fã e há muitos anos desejava isso”, conta.
“Elis” começa com a chegada da cantora ao Rio de Janeiro (exatamente em 1º de abril de 1964, dia do golpe militar), repassa o início da carreira ao lado dos produtores Ronaldo Bôscoli (que se tornaria seu primeiro marido) e Luiz Carlos Miele; e segue com a consagração no programa “O Fino da Bossa”, na TV Record, junto com Jair Rodrigues; a ascensão artística e a consagração internacional. Também vemos a maternidade, o segundo casamento, com o pianista César Camargo Mariano, as pressões do regime militar, os conflitos na vida pessoal e a morte aos 36 anos por overdose de cocaína. Uma das lacunas do filme é deixar de fora o encontro da cantora com Tom Jobim, que resultou num dos grandes discos da música brasileira (“Elis & Tom”, de 1974).
Ofício. Andréia conta que, confirmada no papel, se debruçou sobre a obra e a história da Pimentinha. “Elis era uma grande artista, corajosa e absolutamente conectada com sua arte. O ofício dela era cantar e ela fez isso até morrer. Não se distraiu com outras coisas. Essa era a vida dela. Elis de fato amava fazer isso. Não se vendeu e sempre foi honesta consigo mesmo e com seu próprio desejo. Foi uma artista de uma posição rara. Trinta anos depois de sua morte, tudo que ela falou e cantou são incrivelmente atuais. Eu, com 33 anos, muito perto da idade que ela estava quando se foi, pude reviver as palavras dela”, conta a atriz, que no filme dubla a cantora. “Eu canto todas as músicas, mas a voz é a dela. Duvido que alguém pudesse chegar perto da técnica vocal de Elis. Era única. Mas foi um trabalho exaustivo porque eu tinha que ‘encostar’ nela. A voz é da Elis, mas minha veia tem que saltar quando a dela salta, minha respiração tem que ser a mesma”.
Andréia conta que assim que foi confirmada no papel, recebeu um material que continha 48 horas com a artista. “Nele, estavam os primeiros shows, as primeiras entrevistas, quando Elis tinha entre 22 e 23 anos”, conta a atriz, que se preparou para o papel em três etapas: primeiro, veio a preparação vocal, do canto, com Felipe Habib; depois, a corporal; e, por fim, das cenas.
Militante. Uma coisa que chama atenção em “Elis” é que ele lança luz sobre a militância política da Pimentinha, que chegou a ser perseguida pela ditadura militar e foi alvo até da incompreensão de artistas como o cartunista Henfil, que não entendia o porquê dela aparecer cantando para os militares. “Acho importante lembrar que toda a trajetória artística de Elis se deu dentro do período da ditadura. Ela chegou no Rio em 1º de abril de 1964 e morreu em 1982. Ser artista num período de tamanha censura foi algo brutal para uma artista da grandeza dela. Você tem um mundo para viver, com tanta beleza, e não pode porque tem gente dizendo que não pode. É de rasgar a pele”.
Andréia lembra que, nesse período, as coisas no país ficavam cada dia mais complicadas, tenebrosas e perigosas. “As pessoas desapareciam, morriam e saiam do Brasil porque não concordavam com o que estava acontecendo. A Elis é um símbolo de uma mulher desse período que começou a falar sem medo. Durante toda a década de 70, ela falava claramente sobre censura e ditadura, coisas sobre as quais teoricamente, não se podia falar. Além de uma obra colossal, ela era uma mulher que defendia a importância fundamental que o artista tem para a sociedade”, comenta a atriz, que está cotada para voltar a viver Elis, na série escrita por Gilberto Braga e João Ximenes Braga e que deve estrear em janeiro de 2018.
Há pouco dias, Andréia esteve em Porto Alegre para divulgar o filme e aproveitou para ir até o bairro onde Elis nasceu. Entrou no apartamento de número 21 da rua Rio Pardo, na Vila Iapi, onde a cantora morou e de onde saiu para ir para o Rio. “Visitar os locais onde ela esteve foi arrebatador, porque, assim como o nosso corpo, os espaços guardam nossas energias. Conheci uma vizinha que foi amiga de infância dela e ficamos conversando. Ela mostrou onde era o quarto de Elis. Foi lindo. No filme, gravamos no edifício Mello Alves, onde fica o apartamento que ela morou até morrer”, diz Andréia, que finaliza falando de Minas. “Vou sempre a Juiz de Fora. Minas é minha terra, onde estão minhas memórias vivas. É minha casa, minha família, e onde corre meu sangue”.
“Elis”
Careta, longa peca pela falta de foco e de ousadia
Numa cena de “Elis”, que estreia nesta quinta-feira (24), a cantora (Andréia Horta) critica o jeito de cantar “pra dentro”, blasé, da Bossa Nova. Elis não cantava assim. Sua voz era uma explosão. O que não era moda na época, e essa ousadia inovadora deu origem ao que conhecemos nesta quinta-feira (24) como MPB.
E é exatamente essa ousadia, essa vitalidade e originalidade que faltam ao filme do diretor Hugo Prata. Para um longa que quer contar a história de alguém que ficou conhecida como Pimentinha, falta não só pimenta, mas sal e qualquer tempero à produção. Faltam o espírito e a explosão de Elis Regina.
Mas, acima de tudo, falta foco. O filme é daquelas cinebiografias caretas que querem contar tudo – e acabam não contando nada direito. No início, o longa parece ser a história do atribulado romance de Elis com Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado). Depois, vira um retrato da complexa politização da cantora e sua relação com a ditadura. E, no final, tenta ser um estudo de personagem, com a depressão da protagonista, que não foi satisfatoriamente desenvolvida até ali, tomando o centro da produção.
O longa é uma colcha de retalhos de episódios mal conectados que – nem eles sabem muito bem, mas –, talvez, queiram ser, na verdade, uma minissérie. Essa fragilidade é acentuada pela pobreza dramatúrgica do roteiro (assinado por nomes de peso como Luiz Bolognesi e Vera Egito), que parece usar duas ou três cenas como desculpa entre as várias montagens musicais ao som dos clássicos de Elis.
Os únicos momentos que fogem dessa apatia, e em que o longa explode, são os confrontos entre Elis e Bôscoli. A química entre Horta e Machado é palpável e consegue trazer para a tela um pouco da paixão intempestiva que movia a cantora.
As cenas são também os melhores momentos de Horta no filme. A performance da atriz é prejudicada pela dublagem gritante (com o perdão do trocadilho), que distrai o espectador, por um sotaque mineiro que vai e vem e por um tique de recorrer ao icônico “sorriso Colgate” de Elis, cujo uso exagerado acaba se tornando uma muleta. Em produções que não estão à altura de seus biografados, como “Piaf” e “Ray”, grandes performances à la Marion Cotillard e Jamie Foxx costumam salvar o dia e valer o ingresso. Infelizmente, não é o caso aqui. (Daniel Oliveira)
Outras estreias
Além de Amy Adams e Elis Regina, outras duas divas chegam aos cinemas. Depois de uma semana de pré, Isabelle Huppert finalmente entra em cartaz com “Elle”. A vencedora do Oscar Lupita Nyong’o vive a mãe de uma garota ugandense que se revela um gênio do xadrez em “Rainha de Katwe”. O longa da diretora Mira Nair (“Casamento à Indiana”) é baseado numa história real.
Um pouco menos diva, mas não menos bela, Kate Beckinsale vive uma mãe enfrentando espíritos malignos com seu filho em “O Quarto dos Esquecidos”. Agora, se você prefere um pouco mais de testosterona, Tom Cruise está de volta ao batente em “Jack Reacher: Sem Retorno”.