Era 1986, e um garoto de 12 anos foi levado pelos pais ao teatro para ver Fernanda Montenegro encenando “Fedra”, tragédia grega escrita por Racine. Com direção de Augusto Boal, o espetáculo deixou o jovem espectador extasiado. Passados mais de 30 anos, o rapazote atualmente é considerado um dos encenadores mais provocantes e é reconhecido por nome e sobrenome. Nesta sexta-feira, Roberto Alvim estreia na capital mineira a temporada de sua elogiada adaptação da peça que foi basilar em sua formação teatral.
“Esse espetáculo definiu minha vida profissional. Foi o que me levou a me tornar um diretor de teatro, pois eu não tinha essa pretensão”, diz Alvim. A “estrutura vertiginosa” que Jean-Baptiste Racine deu para o texto de Eurípedes foi um dos atrativos que deixaram o diretor com uma comichão incontornável. “Os acontecimentos vão eclodindo na nossa frente num fluxo contínuo, avassalador e extremamente envolvente emocionalmente”, adianta ele.
É que a sucessão de acontecimentos que envolvem os personagens promete deixar a plateia arfante. Na tragédia, Hipólito é enteado de Fedra, casada com o rei Teseu. Fedra acaba se apaixonando pelo próprio filho e revela ao jovem sua paixão proibida quando o marido desaparece e é dado como morto. Teseu retorna, e os acontecimentos que se sucedem envolvem versões, vinganças, mentiras e um desfecho devastador.
Vertiginoso também é o raciocínio de Alvim ao conversar sobre o espetáculo. Ele cita o diretor britânico Peter Brook para explicar que aguardava um ator adequado para dar vida a Hipólito. “Você não decide montar um Hamlet. Você precisa encontrar um ator que possa fazer um Hamlet”.
Mas não havia nenhum indício de que seu Hipólito estava por perto. “Eu não conhecia nenhum ator extremamente jovem que tivesse uma espécie de nobreza e pureza tão fascinante”, comentou o diretor.
Esse fascínio ao qual o dramaturgo se refere tem destinatário sabido. Ele fala exatamente de Christian Malheiros, um jovem de Santos (SP) que apareceu em uma das oficinas que Alvim e sua Companhia Club Noir oferecem na capital paulista. “Vimos no Chris uma luz, uma força, um brilho na postura dele em cena que nos levou a ficar apaixonados por ele e dizer: ‘Acho que ele é o Hipólito que estávamos procurando’”, conta Alvim.
Parceira constante de Alvim e vencedora do Prêmio Shell de melhor atriz por “Medeia”, Juliana Galdino (“uma atriz eminentemente trágica”, segundo o diretor) incorpora esse debate sobre o amor proibido ao interpretar Fedra.
“A proibição do incesto é a base de nossa civilização. Quando esse princípio civilizatório é quebrado graças a esse amor avassalador, o gráfico de intensidade nas fábulas trágicas se torna sempre fascinante. Isso mexe com a gente em algo muito estrutural”, reflete o diretor.
O florescer de um jovem talento
O desafio de encarar uma tragédia grega em “Fedra” tem sido um aprendizado raro para o jovem paulista Christian Malheiros. Com apenas 19 anos e frequentador de oficinas desde os 10, os holofotes vêm escolhendo o jovem de Santos como alvo preferencial. “O texto fala de sentimentos incontroláveis, então é uma tragédia muito forte. Eu tive que entender essa estrutura que envolve um jovem que desabrocha para a vida sexual, mas logo com a madrasta”, diz.
Malheiros também está desabrochando, e não somente no palco italiano. No cinema, foi indicado ao prêmio de melhor ator no prestigiado Spirit Award, espécie de Oscar do cinema independente, pela participação no filme “Sócrates”, que deve estrear no Brasil em outubro. Na telinha, o ator gravou a série “Sintonia”, drama da Netflix que narra a vivência na periferia de São Paulo, cuja estreia também é prevista para o segundo semestre. Seu florescer, no entanto, segue com cautela. “Vivo numa profissão em que nada é certo, não sou de me deslumbrar. É gostoso, mas é passageiro”, avalia.