Risco

Heineken: obras de fábrica em Pedro Leopoldo são embargadas

Empreendimento era conduzido próximo a sítio arqueológico onde fóssil de Luzia foi encontrado e ameaçava região, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 21 de setembro de 2021 | 19:15
 
 
 
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Obras da fábrica de cervejas da Heineken, em Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte, foram paralisadas por recomendação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente. A instalação da fábrica, segundo avaliação do instituto, poderia causar danos ao sítio arqueológico onde foi localizado o crânio de Luzia, fóssil humano mais antigo encontrado nas Américas. 

O ICMBio afirma que faltaram uma série de análises sobre a área para a disponibilização do licenciamento ao projeto, que foi cedida em agosto deste ano pelo governo de Minas à Heineken, quatro meses após o pedido inicial da empresa. Segundo documentos do instituto, consultados pela reportagem, as normas vigentes não permitem funcionamento de um empreendimento do porte da fábrica na localidade e o risco geológico da região impossibilita o avanço do empreendimento sem aprofundamento dos estudos. 

A fábrica produziria 760 milhões de litros de cerveja por ano, com um investimento de R$1,8 bilhão, anunciado em 2020. Segundo o ICMBio, a empresa não apresentou o potencial impacto das atividades sobre os lençóis freáticos da região, por exemplo - a intenção da Heineken era bombear 150m³ de água por hora diariamente no local. 

O professor Andrei Isnardis Horta, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que danos ao subsolo da região poderiam causar danos diretos aos sítios arqueológicos. 

“Em um empreendimento grande como esse, uma avaliação arqueológica seria imprescindível. As águas subterrâneas de toda aquela área são conectadas e pode haver cavernas sustentadas por ela. Estamos em um período de água escassa em muitas áreas. Não se pode consumir um volume gigante em uma região com essa fragilidade estrutural”, avalia.  

A Heineken recebeu o licenciamento ambiental em agosto deste ano. As atividades foram paralisadas agora, em setembro, após visita do ICMBio e, desde então, a empresa está em contato com a Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e com o instituto federal “para troca de informações e entendimento dos próximos passos necessários”, segundo nota. 

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) divulgou nota, na noite desta terça-feira (21), informando que "houve auto de infração e embargo, com audiência marcada para 9/10". A motivação da ação, de acordo com o ICMBio, foi a "instalação de indústria na Zona de Conservação do Desenvolvimento Industrial (ZCDUI) da APA Carste de Lagoa Santa", em referência à Área de Proteção Ambiental do Carste (tipo de relevo) de Lagoa Santa. 

Os autos serão encaminhados para a sala de conciliação. Caso o empreendimento se adeque ao que determina o Plano de Manejo, apresentando estudos e as informações necessárias, a obra poderá ser retomada. "As questões sobre o licenciamento podem ser acompanhadas, tendo em vista que essas informações são públicas", conclui a nota.

A reportagem questionou a Semad sobre o conhecimento da pasta a respeito dos riscos ao autorizar a instalação da fábrica em Pedro Leopoldo, mas ela não respondeu. A reportagem perguntou, ainda, qual foi o valor das multas aplicadas à empresa, porém não teve resposta. 

Fábrica foi comemorada por governo de Minas

A construção da fábrica foi celebrada pelo governador Romeu Zema (Novo) em dezembro de 2020, ao lado do secretário de Desenvolvimento Econômico Fernando Passalio; do presidente do Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (Indi), Thiago Toscano, e do secretário estadual da Fazenda, Gustavo Barbosa. 

“Isso é prova de um trabalho conjunto, com todos os órgãos de governo, em que estamos conseguindo dar dinamicidade às tratativas, simplificando os negócios, desburocratizando, e o resultado, naturalmente, vai acontecer”, disse Passalio, na ocasião. A chegada da fábrica em Minas tem potencial para criação de 350 empregos. 

 

Por outro lado, professor Andrei Isnardis Horta, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pontua o prejuízo histórico que a construção de um empreendimento sem a devida análise arqueológica poderia causar na região. 

“Aquele é um patrimônio arqueológico de escala continental, não só para Minas ou para o Brasil. O sítio só foi parcialmente escavado, tem pinturas rupestres e é parte importante da história da região. A ideia de uma fábrica na área me parece absurda”, conclui.

Matéria atualizada às 20h29. 

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